quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ao senhor professor Baptista com reconhecido apreço pelo contributo que deu para a formação da minha personalidade e a todos, mas todos, os senhores professores que fazem deste País um País grande e ditoso apesar de pequeno no tamanho. Refiro-me aos senhores Professores que na melhor tradição da tele-escola nos chegam sobretudo pela televisão,não me refiro aos que aparecem por breves segundos em alguma manifestação,mas sim aos que falam e sabem tudo: da glória histórica da História, à glória futebolística do Futebol, do Comentário Político à própria Política e nos provam que somos grandes.



O Baptista trajava fatos escuros riscados a tira-linhas. Hoje continuaria a estar na moda. 
O Baptista vestia terno e relógio com corrente no bolso do colete. 
O Baptista tinha caspa. 
O Baptista tinha pouco cabelo. 
O Baptista puxava a guedelha de orelha a orelha para tapar a calva. 
O Baptista fumava Porto ou Português Suave. Fumegava pelas ventas como um dragão. 
O Baptista não travava o fumo deitava o fumo pelo nariz. Dizia ele que assim não fazia mal aos pulmões. O Baptista não percebia nada de fisiologia. 
O Baptista tinha dedos amarelos. 
O Baptista tinha dentes de ouro e dentes amarelos. 
O Baptista coleccionava lápis com publicidade. 
O Baptista andava de bata branca desabotoada. 
O Baptista andava sempre com uma cana na mão. Apoiava nela o queixo ou o sovaco à laia de pastor. 
O Baptista via-nos como o seu rebanho e batia-nos com a cana até ela se desfazer. 
O Baptista reparava as canas que se rachavam com rolos de fita gomada. 
O Baptista escolhia os alunos ricos para as carteiras da frente. 
O Baptista sentava os alunos com mais dificuldades nas carteiras do fundo da sala. Os que não aprendiam com facilidade ou que eram pobres tinham as últimas filas. 
O Baptista tinha uma régua com dois dedos de espessura. Massacrava linhas do destino e os nós dos dedos que teimavam em se enrolar com medo da pancada. O Inverno só sabia bem nos ferros gelados das carteiras para sarar as mãos a arder. 
O Baptista tinha um radiador eléctrico, incandescente só para ele. 
O Baptista obrigava-nos a ajoelhar nos degraus do estrado frente ao quadro de ardósia. Batia-nos na nuca com o peso morto das manápulas aneladas. Puxava-nos as orelhas até à cor vermelha do seu rosto colérico e o som da sua fúria ser um zunido. 

Quando houve uma epidemia de cólera o Baptista mandou chamar os pais dos alunos. Os da fila da frente. Os pais que eram médicos. Foi assim que à sorrelfa arranjou vacinas para si, para a mulher que era professora no piso debaixo e para os filhos que eram homens adultos que se tinham safado de ir à guerra. 
O Baptista recebia envelopes que os pais dos alunos mais pobres lhe entregavam em vassalagem: no Natal, na Páscoa e no final do ano. 
O Baptista como um senhor feudal prometia protecção e indulgência. 
O Baptista era um desportista. Lia jornais desportivos e uma vez por ano toda a classe fazia actividade ao ar livre: puxávamos uma corda saltávamos em comprimento e pontapeávamos uma bola no recreio onde no resto do ano era proibido jogar à bola. Excepto a outra classe que tinha recreio a outra hora e era a dos alunos do Sr.Director. 
O Baptista ensinou-nos a falar estrangeiro “love”, “peace”, “kiss me”. Palavras que segundo ele, uma rapariga “meia fraquinha da cabeça meio desavergonhada”, tinha escrito na sua mala e nuns crachás que usava na lapela. 
 O Baptista era um apreciador de arte e falou-nos de Picasso. Dirigiu-se ao quadro fez uma garatuja e sentenciou: -Se fosse o Picasso a fazer estes riscos eles valeriam uma fortuna! 
O Baptista fez-me acreditar que eu era um aluno sofrível. Muitos anos mais tarde ao encontrar os certificados de passagem de classe fiquei admirado 17, 19, 18 (numa escala de máximo 20) e no exame final da 4ª classe tive Bom.

2 comentários:

Scarlata disse...

O Baptista era um FDP frustrado!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.