quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

No sapatinho. "O Medo do Mar nos Descobrimentos" de Paulo Lopes. Vem bem a propósito este livro, agora que de novo navegamos no Cabo das Tormentas, convém relembrar que os monstros que corporizam os nossos medos são uma criação do nosso imaginário, do que imaginamos; ou seja, as imagens que fazemos, ou que outros fazem para nós, para nos convencerem duma realidade fantástica. Uma ilusão que por vezes pouco tem a ver com a vida real.


"Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente."
  Abraham Lincoln








sem título


Vincenzo Capezzuto canta "Stu criatu" - Uma canção Napolitana anónima arranjo musical de Enzo Gragnaniello acompanhado por Christina Pluhar e L'Arpeggiata.

 "E Tu filho de Maria?  Tu filho de Maria que mal Nasceste, logo foste condenado..."



No sapatinho havia um presente. Nada mais nada menos do que um Fado Italiano cantado por Lucilla Galeazzi acompanhada pelo Conjunto Romano. " A festa mal tinha começado, acabou logo..."


domingo, 16 de dezembro de 2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O calceteiro enamorado.







Era uma vez uma velha rua estreita de casas baixas e antigas onde era difícil circularem em simultâneo carros e pessoas.
Por ser pequena e só ter casas de habitação foi decidido desviar o trânsito para as ruas paralelas mais largas. A rua seria devolvida totalmente ao passeio dos peões e para isso a calçada teria de ser refeita.
Assim foi:
Levantaram as pedras negras de basalto do macadame onde antes era a faixa de rodagem das viaturas; nivelaram o chão e repavimentaram toda a rua com um lençol de calcário branco. Dessa forma algum carro que por necessidade tivesse de entrar na rua para assistir alguma pessoa, ficava a saber que ali era só para peões.
Logo que o tráfego deixou de passar na rua, notou-se uma diferença imediata, deixou de se sentir tanto ruído.
 Na rua agora silenciosa onde deixara de se ouvir o estrondo dos motores das motas, camiões e automóveis apenas se ouvia o fino bicar das pancadas certeiras das picadeiras com que os calceteiros íam talhando os cubos brancos daquele mosaico calcário e o tilintar com que os martelos aconchegavam as pedras na cama fôfa de  tuvenâ (1).Este trabalho durou alguns dias.
Numa casinha que tinha um quintalinho com flores e muitos gatos ao Sol, morava uma moça muito bonita, cabelo azeviche, olhos castanhos e sardas no nariz. Um calceteiro jovem que andava naquele trabalho de repavimentação da rua simpatizou com a menina desde o primeiro dia que olhou para ela.
Sempre que a via sair para a rua sentia o coração bater mais rápido. O seu coração estremecia no peito tal como o chão estremecia com o bate-bate do maço eléctrico.
Durante aqueles dias o jovem calceteiro e a menina trocaram olhares e sorrisos mas veio o dia em que toda a pedra estava colocada e o calceteiro teve de partir para nova obra noutro arruamento da cidade.
Na manhã seguinte toda a rua estava resplandecente. Tinha um ar limpo e aquele mosaico imenso tornava-a maior. O piso brilhava na sua alvura calcária e reflectia a luminosidade nas fachadas das velhas casas.
Todas as pedras estavam perfeitamente alinhadas milimétricamente encostadas umas às outras e com a mesma altura numa lisura plana de lago.
Os moradores ao saírem de casa paravam à entrada da porta admirando aquela rua que nem parecia a mesma. 
Os habitantes das ruas vizinhas e os transeuntes que ali passavam paravam uns instantes comtemplando a nova paisagem com admiração.
A menina do quintalinho onde havia gatos espreguiçando-se ao Sol quando saiu para a rua foi também arrebatada pela beleza daquele passeio novo. Foi para escola e passou o seu dia como habitualmente; ao voltar para casa, apreciando ainda o novo pavimento reparou numa pedra diferente que tinha no caminho bem no meio da entrada da sua porta.
A pedra tinha o feitio de um coração.
A menina percebeu que tinha sido o calceteiro que com ela trocara olhares e sorrisos quem tinha talhado aquele coração de pedra e ali o colocara.
O tempo passou. A menina adolescente cresceu. Um dia mudou de casa e o coração lá ficou. Porém poucos dias depois de estar na sua casa nova não aguentou mais e voltou à velha rua para recuperar uma pedra que fora talhada propositadamente para ela. 

O coração de pedra que ilustra esta história foi ela quem mo emprestou. É uma pedra preciosa que um dia um calceteiro enamorado talhou e lhe ofereceu colocando-o a seus pés.




(1) Tuvenâ - "Tout-venant"mistura de pó-de-pedra, areia e gravilha fina cuja granulometria se adequa ao tipo da camada final que resulta na superficie do pavimento. No caso da calçada portuguesa a pedra moída que constitui a gravilha não ultrapassa os 5 mm.



Georges Brassens canta um poema de Antoine Pol. " Les passantes. "

Je veux dédier ce poème
A toutes les femmes qu'on aime
Pendant quelques instants secrets
A celles qu'on connait à peine
Qu'un destin différent entraîne
Et qu'on ne retrouve jamais
A celle qu'on voit apparaître
Une seconde à sa fenêtre
Et qui, preste, s'évanouit
Mais dont la svelte silhouette
Est si gracieuse et fluette
Qu'on en demeure épanoui
A la compagne de Voyage
Dont les yeux, charmant paysage
Font paraîte court le chemin
Qu'on est seul, peut-être, à comprendre
Et qu'on laisse pourtant descendre
Sans avoir effleuré sa main
A la fine et souple valseuse
Qui vous sembla triste et nerveuse
Par une nuit de carnaval
Qui voulu rester inconnue
Et qui n'est jamais revenue
Tournoyer dans un autre bal
A celles qui sont déjà prises
Et qui, vivant des heures grises
Près d'un être trop différent
Vous ont, inutile folie,
Laissé voir la mélancolie
D'un avenir désespérant
Chères images aperçues
Espérances d'un jour déçues
Vous serez dans l'oubli demain
Pour peu que le bonheur survienne
Il est rare qu'on se souvienne
Des épisodes du chemin
Mais si l'on a manqué sa vie
On songe avec un peu d'envie
A tous ces bonheurs entrevus
Aux baisers qu'on n'osa pas prendre
Aux cœurs qui doivent vous attendre
Aux yeux qu'on n'a jamais revus
Alors, aux soirs de lassitude
Tout en peuplant sa solitude
Des fantômes du souvenir
On pleure les lêvres absentes
De toutes ces belles passantes
Que l'on n'a pas su retenir

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Joaquim Benite

Joaquim Benite deu-me a conhecer Teatro. Muitas das peças que guardo na memória foram vistas no Festival de Teatro de Almada. A última vez que o vi estava à porta da Casa de Teatro onde trabalhava e pedia a outra pessoa que chamásse os outros mais novos para virem até ali fora ver a manifestação de trabalhadores que desfilava denunciado injustiças e reivindicando vida melhor. Dizia ele que era para tomarem conhecimento com aquela realidade.
Homem culto que era sabia que a Vida,o Teatro e também a Democracia devem estar em todo o lado e também na rua.

Oscar Niemeyer

Oscar Niemeyer nasceu no dia em que minha mãe viria a nascer muitos anos depois. Foi curta a sua passagem pela terra. 
Quando me lembro das mais extraordinárias arquitecturas feitas pelos seres humanos, as que Óscar Niemeyer desenhou são as que a minha memória mais intensamente reproduz.

Olhando para o Chão - Caracóis de pedra


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Assinaturas na Calçada Portuguesa




A calçada é a primeira saudação e o primeiro gesto de hospitalidade com que a urbe acalenta os passos cansados do viajante que procura acolhimento.
Esse trabalho exposto ao Sol e à intempérie é a tapeçaria quotidiana que a cidade ou a pequena povoação estende como uma passadeira de honra ao transeunte; por mais humilde que ele seja.
A Calçada Portuguesa é obra de gerações de artesãos anónimos que laboriosamente talham e arrumam as pedras que pisamos sem  escrúpulo nem espanto.
Estes calceteiros ensimesmados em posição incómoda, encaracolados no seu delicado labor vão pedra a pedra compondo a urdidura viária da trama urbana: Aqui plantam flores de pedra Rosa Portugal; ali com vidraço preto e branco bordam narrativas históricas; rendilham ponto a ponto memórias e costumes; palavras de arauto e de poeta; desenhos de arquitecto; imaginações de artista. De maneira depurada por vezes, pedra a pedra, derramam estuários lisos de brancura.
O grande Etnólogo Leite de Vasconcelos escreveu que tinha encontrado pensamento filosófico profundo entre pessoas de vida austera e solitária que viviam isolados nas serranias pastoreando gado durante meses sem verem o seu semelhante, esses humildes analfabetos tinham encontrado dentro de si a revelação, as perguntas e as respostas do ser e da existência.
Os calceteiros parecem também eles ter esse tipo de capacidade de reflexão. Talvez que sejam a isto predispostos pela sua genuflexão contemplativa, embalada pelo martelar cadenciado das escodas e das picadeiras. A vénia da sua posição de trabalho concentra o seu olhar no horizonte próximo libertando a visão interior do ínfimo para o fundamental. Assim os detalhes adquirem a capacidade sintética que o símbolo encerra. As assinaturas dos calceteiros são uma voz simbólica composta na pedra que grava a marca de quem executou. A expressão mimética da diferente disposição do pormenor do mosaico torna-se muitas vezes imperceptível aos olhos dos não iniciados. A afirmação e a narrativa estão lá testemunhando com firmeza, mas sem alarde. Este livro mostra as fotografias desses registos: São rosáceas, flores, frutos, escudos, emblemas de toda a espécie. Mais do que a expressão da ordem no caos, são a afirmação de que o Caos encerra em si próprio uma ordem. A ordem que gostamos de chamar Liberdade.