domingo, 22 de dezembro de 2019

Jafumega - Latin'América - Há canções que voltam a ser actuais.


Todas as manhãs o sol espelha
Bate nas lentes escuras
O sangue jorra de esguelha
Na pala das ditaduras

Continente grita de dor
Rebenta pelas costuras
A morte, o medo e o terror
São dias feitos agruras

Do Paraguai a Porto Rico
Salvador às Honduras
Da Bolívia à Guatemala
Argentina ao Chile

Latin'América
Latin'América
Latin'América
Latin'América

Descem das montanhas
Para pôr fim a essa sina
Que te rebenta as entranhas
Capacete em cada esquina

Todas as manhãs o sol espelha
Bate nas lentes escuras
O sangue jorra de esguelha
Na pala das ditaduras


quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

VERMELHO - Michel Pastoureau

O Vermelho saiu em Outubro, o Verde já tinha saído em Março.
Juntos parecem uma bandeira.
Para quem gosta e pode oferecer livros é uma sugestão.
Não é coisa só para pintores ou modistas, mas certamente poderá ser-lhes útil. Tal como a falsificadores de antiguidades; convém não utilizar determinada cor numa peça que pretende ser de uma época em que a cor ainda não tenha sido inventada.
Há outros dois livros sobre o Preto e o Azul. O autor prometeu fazer um sobre o Amarelo que já saiu agora em Novembro. Eu sou dos que fico à espera da edição portuguesa, e bem gostaria que fosse ilustrada. Por muito que eu saiba sobre uma cor, há sempre alguma novidade nestas "história de uma cor" e como dizia um sábio que conheci "todos juntos é que sabemos tudo".



terça-feira, 17 de dezembro de 2019

pastar outro ainda


fone


Exposição na SNBA - O Salão Convívio dos Sócios 2019- Está lá um desenho meu.


E se quem pelo Natal oferecer livros houver. Castro Soromenho, Castro Soromenho, Castro Soromenho. Terra Morta.


E se quem pelo Natal oferecer livros houver. Castro Soromenho, Castro Soromenho, Castro Soromenho. Viragem


E se quem pelo Natal oferecer livros houver. Castro Soromenho, Castro Soromenho, Castro Soromenho. A Chaga.


E se quem pelo Natal oferecer livros houver. Hans Magnus Enzensberger 66 poemas escolhidos e traduzidos por Alberto Pimenta.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

domingo, 8 de dezembro de 2019

A Short History of America by R. Crumb and Joni Mitchell

Robert Crumb um grande desenhador maior que os quadradinhos das suas histórias.Conversa com Bial 30/08/2018 Quadrinista Robert Crumb - Completo

"Travessia" de Licínia Quitério




Acabou de sair o livro de Licínia Quitério "Travessia"










Eram meninas e brincavam.
Pensavam florestas e elas aconteciam.
Usavam asas que roubavam aos anjos.
A noite era um sítio longe
e o dia brotava dos seus gestos.
Escutavam nas árvores o namoro das copas.
Tinham caixas com chaves invisíveis.
Lá dentro moravam cavalinhos de galopar.
Estão crescidas, as meninas.
Apagaram as florestas antes de a noite chegar.
Já não se escondem, as meninas.
Aos anjos as asas devolveram.
Deitaram fora as caixas dos segredos.
O vento levou as chaves pelo ar.
Os cavalinhos partiram,
a galopar.
Foram meninas e brincaram.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Sviatoslav Richter - Prokofiev - Piano Sonata No. 7 in B flat major, Op. 83

Prokofiev | Piano Sonata No. 7 in B♭ major, Op. 83 (1942) ("Stalingrad")

Céu Costa e um desenho meu.

Céu Costa radiosa alvura, fulgor do azul celeste. Memória indelével, olhar seguro, entendimento fraterno, corpo que levita e se transmuta.


Elisa Scarpa e um desenho meu.

É uma artista delicada e gentil. Diz que gosta de arquitectura e de sapatos e é esbelta como o olhar com que detalha o invisível. O seu sorriso é afável e com a sua palavra constrói mundos por vir. Não pisa ramos verdes nem calca ramos sêcos, move-se silenciosamente com graça clara.



Maria Azenha e um desenho meu.

Voz clara e expressiva Maria Azenha poética diz e declara. Como ela brilha e com ela irradia resplandecente a poesia.





Cavalitas. Desenho no sítio para o Sítio.


Restos de colecção. Canivete.


Restos de colecção. Passa-Montanhas.


Restos de colecção. Alado de borco.


No outro dia estive a desenhar como quem improvisa.



O desenho foi programático. Tinha um tema de fundo a partir do qual eu podia improvisar:
 A VIOLÊNCIA. 
O tempo era curto entre as 14 e as 19 horas. 
Vim a saber que às 14 era ainda muito cedo, só às 14:30. 



Até às 14:30 foi o tempo que levei para dispor as minhas ferramentas de riscar e arriscar. O meu dispositivo de acção e exposição. 



Levei livros. Os meus desenhos quando não partem de uma narrativa interna têm sempre bibliografia. De qualquer maneira são sempre feitos a partir do interior e mesmo a reprodução a partir do olhar passa pelo filtro interno. 
Tenho uma "câmara clara", tenho os mecanismos "digitais" da cibernética actual mas não é essa dissimulação de retratar a dita realidade de forma fidedigna, como se a realidade fôsse algo que existisse verdadeiramente, que me interessa. 

Então desenhei. 
Às 18 horas estava tudo terminado.
Os desenhos estavam disponíveis. Podiam ser levados por quem os quisesse levar. Sem custos nem transtorno, porque apesar de levar folhas grandes optei por folhas A4 de papel bom. Mais fácilmente transportáveis claro! 
Levei uma pasta com desenhos que fui anteriormente publicando aqui no Blogue e informei que o papel era mais fraco, papel de 80 gramas em vez do Canson de 200 gramas. Apesar de os desenhos serem melhores na minha perspectiva, assim que eu dizia que o papel era mais fraco os interessados mudavam a sua escolha. A Arte Povera ali não teve adeptos pelo menos no que diz respeito ao suporte em que eu apresentei a minha pobre arte.
E por ser assim pobre muitos houve que não se interessaram em levar algum desenho ainda que o fizessem como memento, como souvenir, recordação daquele dia mesmo que o fizessem sem interesse ou apreço artístico pelo desenhador.

Por isso venho deixar aqui esses restos de colecção dos desenhos executados a 30 de Novembro, anos passados sobre a partida de Fernando Pessoa deste mundo.



NÃO ROUBEM!

Chamou-me a atenção a intensidade de cor nas caixas plenas de laranjas. Uma caixa de bananas, alguns embrulhos e sacos de papel. Coisas usadas como um candeeiro com abat-jour e uma panela de pressão. 
No abrigo daquele pequeno corredor de portas fechadas, um letreiro avisava em português e inglês:
                         ATENÇÃO            
                 ESTAS COISAS SÃO PARA PESSOAS SEM-ABRIGO
                POR FAVOR NÃO ROUBE! OBRIGADO.   

Quem descêsse o par de degraus e se recolhêsse naquele canto virado para as caixas de fruta deparava ainda com mais outro letreiro idêntico.
Despertou-me então a memória. Naquele exterior de muros altos, encerrado por corredores amplos e desertos. As paredes brancas, tapando claustros ajardinados e átrios vazios. As amplas salas vedadas por sólidas grades de ferro lembraram-me:

 
A fruta derramada pelos caminhos ornados por todo o tipo de árvores, arbustos e trepadeiras:
Macieiras, figueiras, ameixoeiras, pessegueiros...
Orlando ravinas e declives, os castanheiros, as avelãzeiras... 
Limitando propriedades, as videiras, os marmeleiros, as cerejeiras, as nogueiras... 
Eram essas árvores de fruto e de sombra, o consolo dos animais silvestres que passavam em bando ou em rebanho. Eram petisco para a pausa das vacas que vinham do monte ou dos burros que regressando a casa puxavam os carregos de mato para o quinteiro.
Eram esses frutos a dejua de peregrinos e romeiros, os de Santo Estêvão, os de Santo António, os de Santa Eufémia. 
Também por ali nunca ninguém ficara desabrigado ou sem caldo que lhe matásse a fome e o frio da noite.
A tradição da hospitalidade recolhia tanto o pedreiro que ía cavar um poço ou abrir uma mina, como os jornaleiros a caminho do sul, ou a caravana dos cesteiros que vinham até ao rio colher junco. 
Muitas vezes sabia-se quem eram os forasteiros; se eram vindimadores, se eram negociantes, se era o almocreve procurando vivo, se o capador... mas nada se perguntava a quem não quisesse falar.
Além disso as portas tinham aldrabas com tranquetas de madeira e nunca me apercebi que quem comêsse fruta na passagem fosse avisado para não a roubar.




sábado, 30 de novembro de 2019

A violência de novo se abate sobre a América Latina. Aqui se relembra o massacre que ocorreu no Chile em Santa Maria de Iquique no ano de 1907.




Faz agora 112 anos, a 21 de Dezembro que no Chile, em Santa Maria de Iquique houve um massacre de operários. 
Mataram milhares. 
Seguramente mais de 2200, certas fontes dizem que chegaram a 3600 os trabalhadores mortos. 
Eram de várias nacionalidades: bolivianos, peruanos... 
Eram de todas as profissões que se empregavam na indústria do salitre. 
Alguns ali tinham acorrido para apoiar a greve dos mineiros numa luta que durou por todo o mês de Dezembro. 

Um grupo chileno chamado Quilapayún pelo ano de 1970 gravou uma Obra Prima de Luis Advis Vitaglich, em forma de Cantata com a mesma dimensão da Misa Criolla de Ariel Ramirez ou das Cantatas de Bach. 
Esta Cantata à maneira de Bach e de Ramirez é ancorada na música de tradição folclórica e traz para a vida quotidiana a memória de episódios históricos traumáticos. 
Neste caso são recordados os acontecimentos de 1907, um tempo anterior de desgraça e miséria que em 1970 parecia ultrapassado. Contudo fatidicamente em 1973 de novo a violência e a crueldade se abateu sobre o povo chileno arranchando os verdugos que sempre se voluntariam para sacrificar vizinhos, amigos e até os próprios familiares.
Agora de novo a violência, a morte e o sofrimento se abate sobre a América Latina e nomeadamente sobre o Chile e a Bolívia.





sábado, 23 de novembro de 2019

HERBERTO HELDER

"Escrevi porque tinha um problema de ódio a resolver."                                                                                                            Herberto Helder



Ah este ódio com que amo a humanidade!
...e a necessidade dos livros onde ela se verte;
não, não é um problema de nervos, nem de ódio 
que me leva a escrever, mas sim a janela fechada,
as arestas dos varões quadrados da grade de ferro
cravadas na carne das mãos e da cara,
a visão periférica que mantém o medo na distância.

Não serás alguém grande, mas poderás sempre
escolher a fuga das alturas ou a fragilidade do papel
que embrulha o pão e se rompe com o lápis H
Serás fumo de chaminé no ar 
ou breu de mascarra sobre o cotim azul.


Não serás alguém grande, -disseram-me-
descolaram o remate do cartucho de meio quilo
e alisaram os vincos do papel grosso
entregaram-me as pontas de lápis 
a escaparem pequenas das mãos adultas grandes
e permitiram que desenhásse no lado de fora, 
sobre o riscado vermelho,
porque dentro pousava-se o peixe acabado de fritar
e o desenho esvaía-se na nódoa 
esmaecido pela gordura
para depois se perder com o jornal 
da forra do balde do lixo.

poderás sempre escolher a fuga das alturas 
ou a fragilidade do papel que embrulha o pão,
o papel que se rompe e se rompe com o lápis nº4
O que queres ser? Fumo de chaminé no ar? 
ou mascarra de breu sobre o cotim azul?

Então escrevi mas o que fazia eram desenhos
que gritavam histórias. 
pedia livros e que mos lessem
mas não havia livros porque os livros 
para nada servem.

Ah este ódio com que amo a humanidade!
e a necessidade dos livros onde ela se verte

                                                                                                  Em memória do HH






domingo, 17 de novembro de 2019

Nathalie Stutzmann - Gute Nacht - Winterreise - Schubert.

efémera

"Herdei" um telemóvel que permite desenhar no visor. Tal legado faz com que passe o tempo a olhar para a "tabuínha" coçando-a com o dedo, ora aqui ora ali.
O dedo é grande demais para qualquer linha fina mesmo quando se aumenta a escala da superfície onde se desenha.
As dificuldades encontradas ao desenhar sobre tudo e sobretudo desenhar, são inerentes ao risco de arriscar riscar e fazem parte de cada técnica.
 O desafio da superfície obriga à variedade do estilete. E friccionar como dedo uma superfície lisa, literalmente digitar, é bem mais fácil do que apunhalar um xisto à pedrada para gravar um cavalo.
De qualquer maneira não me posso queixar nem do meio nem da técnica quando vejo como resultaram os desenhos que David Hockney fez diáriamente no seu "Iphone". 
Ao alvorecer, porque os pintores vivem da luz e com a luz, David Hockney desenhou no seu telemóvel o quotidiano que o rodeava, por mais prosaicos que fossem os modelos. Depois para presentear os seus amigos enviava essas mensagens coloridas para eles como quem deseja Bom-dia:
A paisagem da janela; copos, canecas e jarras com flores; as pontas dos cigarros no cinzeiro, a última apagada ainda fumegando; o próprio Iphone carregando na tomada de electricidade... enfim a complexidade das coisas simples, o pormenor, o instante, o detalhe que rompe a monotonia.
Agora que cheguei a este meio tão efémero e virtual faço o meu aprendizado entre a surpresa e o espanto.

domingo, 3 de novembro de 2019

Telefonia.

Os de cima têm a telefonia ligada.


representação por si só

Não me interessa a representação por si só. Claro que quero reproduzir a partir do real, interessa-me a história, a palavra que faz a narrativa, contudo o objecto final escapa ao que lhe deu origem e vale por si só. Vale enquanto afirmação ainda que seja inicialmente uma tentativa de representação, uma cópia. Ele acaba por ser a representação do falhanço da tentativa de reprodução do modelo.
Interessam-me as falhas, as imperfeições, as fugas à representação, a traição que o cérebro faz ao olhar, a fuga que a mão faz ao cérebro. No fundo quando há um processo de construção de uma imagem, este processo só termina na percepção do receptor dessa imagem. No entendimento do receptor enquanto fruidor ou iconoclasta. Na sua retina, no seu ouvido, no seu olfacto, no seu estado de saúde e bem-estar, no seu cérebro, na sua mente, na sua cultura. Eu estou aí como primeiro interlocutor relativamente à imagem que descrevo, desenhando símbolos, recorrendo a ícones reconhecíveis da minha cultura e no meu tempo.

sábado, 2 de novembro de 2019

Como se fosse Abril (Lembrando Kaváfis)







Como se fosse Abril (Lembrando Kaváfis)

Felizmente vieram
os bárbaros
e com eles a morte
prematura e sem motivo
nada poderíamos oferecer,
aos bárbaros,
porque saber
demora tempo e os bárbaros
cultuam a morte em idade jovem.








Não festejo a morte! Nem os mortos. Festejo os vivos!


Não festejo a morte!
Nem os mortos.
Festejo os vivos!
Os meus mortos estão vivos:
na casa do café de onde trazia o lote de Timor,
no caminho para o fontanário,
naquele semáforo junto à estação de metro…
naquela esquina onde havia um velho guarda-freio
que com uma pesada bengala de aço mudava a agulha
para o carro-eléctrico seguir para a outra linha…
no pacote de bolachas da prateleira do supermercado.

Com os meus vivos brindo:
nos seus aniversários, no meu aniversário,
com vinho verde do palácio de Monção,
cozinho uma comida antiga,
penso em fazer arroz de forno,
como carne como só se deve comer nos dias especiais,
-e porque uma vez um naturista me disse que
era melhor comer se andava a ter sonhos recorrentes
em que a comia-

Muitas vezes viajo com eles, com os meus vivos,
no odor tinto da touriga nacional
ou no cheiro verde da relva acabada de aparar,
na côr âmbar de um copo de capilé
nos tons castanhos destes dias cinzentos
em que os demais festejam os seus mortos
e não entendem a alegria desses castanhos
que cítricos ou vermelhos são sempre solares.

Os mexicanos festejam os seus vivos nos cemitérios,
eu não frequento cemitérios
porque neles se sublima ainda mais
a desigualdade social
perante a irremediável justiça.

Sempre me desgostou que cortassem flores
e as sacrificassem nas jarras
ou nas lajes tumulares…

Não festejo a morte!
Nem os mortos.
Festejo os vivos!





sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Eram todos santos antes de serem finados.









































Os mexicanos festejam os seus mortos
nos cemitérios, com eles comem e bebem
e cantam e riem.
eu não frequento cemitérios
porque neles o absurdo e a violência
da desigualdade social
se sublimam e afirmam.  

Os mausoléus não fazem bem aos mortos
no entanto a vontade da continuidade da injustiça
perante o irremediável dá motivação aos vivos.

A antiga pira funerária
industrializou-se no crematório de hoje
tornou-se comum
é popular e breve
não deixa catarro.

Em breve não haverá mausoléus
As necrópoles serão museus
E uma outra espécie qualquer interrogar-se-á
Porque nos extinguimos em massa.





quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Em Oeiras no Parque dos Poetas foi hoje inaugurado o conjunto escultórico de Nangachinu Ntaluma que homenageia o poeta José Craveirinha. Na fotografia vista parcial das esculturas, a neta de José Craveirinha e o escultor.



















As esculturas inspiraram-se no poema "QUERO SER TAMBOR".

Tambor está velho de gritar
ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

E nem flor nascida no mato do desespero.
Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra.
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!

Eu!
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala.
Só tambor velho de sangrar no batuque do meu povo.
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh, velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

Ora Abóbora!


quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Escultura de Beatriz Cunha da série "Polígono Conectivos".


A série de esculturas designada por “Polígonos Conectivos” tem a beleza química dos cristais.
Há uma linha construtiva rigorosa e apurada, elementar como nas moléculas. Percebe-se uma arquitectura fractal. Edificações de uma cidade utópica.
Simultâneamente recolha de vestígios e interpretações de fragmentos arqueológicos.
Paciência de puzzle, quebra-cabeças meditativo. 
Salvados de naufrágio que deram à costa.
Até à praia a maré trouxe as cores preferidas das pessoas que os pintaram, brilham como facetas polidas das contas de um colar que dança ao ritmo de música Jazz.
A intuição e o contra-intuitivo.
Busca da parte no todo e do infinito dentro de um espaço limitado.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Para Ana Cristina Cesar sem saber porquê e para quê, como se fosse poesia. "Coisa sem princípio esta de começar no fim!"






























Coisa sem princípio
esta de começar no fim!
Direi então
que me atraem os poetas suicidas,
como um lume inexplicável na noite escura.

Por fotografia
quem poderia imaginar
que as auroras boreais têm tamanha agitação?
ou que tal como miragens,
existem fogos fátuos? …e pirilampos !?

Ando a ver mal, chora-me o olho direito,
que não é o olho dominante,
o da mira do caçador
e vejo mosquitos
cadentes, como meteoros lentos.

-por uma vez ouvi um meteoro
restolhar no céu nocturno
frigindo o ar em artificiosas cores-

Houve um tempo em que eu
soube  dizer ao olhar para as chispas
com que a rebarbadora pulverizava o aço
qual a sua percentagem em carbono.
Um pirotécnico que saiba dar cores à sua pólvora
saberia a composição química da minha estrela cadente,
como eu soube logo não ser estrela
porque as estrelas não caem nem fazem ruído
e se perpetuam no céu para lá da sua morte.

Nada desejei da raridade daquele avistamento
e o que desejaria?... 
a não ser talvez saber
a distância entre mim e aquele meteoro
que possibilitou a proximidade de entendê-lo soar;
ou talvez que nome dar àquele roçagar luminoso
que esfrolou crepitante o breu,
uma deflagração sem estoiro,
um ruflar de vestes, antes do silêncio.

A percentagem de carbono é uma forma de dureza
que perpassa no aço 
e nos traços do lápis com que desenho,
é aparente e invisível
como os mosquitos dos meus olhos o são para outros
por serem sombras na minha retina  
e é invisível por ser uma organização estrutural microscópica
que só se revela quando depois de polir uma amostra do aço
até ele se tornar um espelho 
se macula a sua superfície cegando-a num ácido.

Os aços possibilitaram as construções em grande altura
o arranha-céus primordial tinha só dez andares
depois aumentaram mais dois,
era pertença de uma companhia de seguros,
mas não se atreveram a que chegasse aos treze.
Nenhum edifício deveria ter treze andares.
e se a sofreguidão subisse além do alcance da imaginação
que o bombeiro Conrad Magirus  pudesse ter 
para uma escada de salvação
o 13º andar não deveria existir.
Como nos edifícios em que se passa do 12º para o 14º andar.

Ninguém sabe quantos os degraus da escada de Jacó.
Sabe-se que do Céu desciam e subiam anjos por ela
como poetas que cristalizassem num sonho
a dor real do sofrimento alheio.

Nenhum edifício deveria ter treze andares
e eis tudo.



Luís Filipe Gomes
Outubro de 2019