sábado, 2 de novembro de 2019

Não festejo a morte! Nem os mortos. Festejo os vivos!


Não festejo a morte!
Nem os mortos.
Festejo os vivos!
Os meus mortos estão vivos:
na casa do café de onde trazia o lote de Timor,
no caminho para o fontanário,
naquele semáforo junto à estação de metro…
naquela esquina onde havia um velho guarda-freio
que com uma pesada bengala de aço mudava a agulha
para o carro-eléctrico seguir para a outra linha…
no pacote de bolachas da prateleira do supermercado.

Com os meus vivos brindo:
nos seus aniversários, no meu aniversário,
com vinho verde do palácio de Monção,
cozinho uma comida antiga,
penso em fazer arroz de forno,
como carne como só se deve comer nos dias especiais,
-e porque uma vez um naturista me disse que
era melhor comer se andava a ter sonhos recorrentes
em que a comia-

Muitas vezes viajo com eles, com os meus vivos,
no odor tinto da touriga nacional
ou no cheiro verde da relva acabada de aparar,
na côr âmbar de um copo de capilé
nos tons castanhos destes dias cinzentos
em que os demais festejam os seus mortos
e não entendem a alegria desses castanhos
que cítricos ou vermelhos são sempre solares.

Os mexicanos festejam os seus vivos nos cemitérios,
eu não frequento cemitérios
porque neles se sublima ainda mais
a desigualdade social
perante a irremediável justiça.

Sempre me desgostou que cortassem flores
e as sacrificassem nas jarras
ou nas lajes tumulares…

Não festejo a morte!
Nem os mortos.
Festejo os vivos!





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