domingo, 31 de março de 2019
sábado, 30 de março de 2019
Blackout poetry - Poesia da Ocultação ou Poesia da Revelação. Em Oeiras no Parque dos Poetas.
Tantos livros que acabaram censurados que não é de ânimo leve que se apagam palavras para que outras se revelem.
Mas é assim uma forma de despertar para o ponto, a linha, o traço, a mancha.A rasura, o sublinhado, a circunferência à volta de uma palavra, a nota à margem, a correcção ou o aditamento. Quase todos o fizémos em livros de estudo ou em jornais de forrar o caixote do lixo.
As comunicações secretas dos códigos mais simples eram passadas com uma matriz perfurada que ao ser aplicada sobre a página de um livro não raras as vezes a Bíblia permitia a leitura de uma mensagem.
Debruavam-se furinhos abertos na trama de lencinhos alvos, caseavam-se orifícios, e bordavam-se folhas e flores em torno de delicados recortes abertos por minúsculas tesouras curvas. Lencinhos que ficavam perdidos no banco da igreja ou se deixavam cair no chão certo na altura exacta.
A "blackout poetry" que em português poder-se-á chamar a poesia da ocultação ou mesmo até a poesia da revelação invoca também o conceito da transparência, da forma e do fundo e remete para o palimpsesto que é aquilo que ainda resta e é possível ser lido e apreendido após um processo de apagamento, encobrimento ou lavagem.
Contudo não é de ânimo leve que rasgo páginas de livros ou que as risco. Mas manifestei o desejo de desenhar e participar na iniciativa. Então nos dois minutos que concedi à espera de quem me acompanhava, escrevi com as palavras que já estavam na folha que me deram:
"Não! Não rasgues obras de inegável mérito."
segunda-feira, 25 de março de 2019
Ao Arquitecto Manuel Graça Dias.
Manuel,
esta mania de escrever coisas mortas
é como escrever em papel velho
parece pouco asseado
e rascunho do que poderia ter sido
No outro dia vi "A Mulher de Trinta Anos "
que a Dóris traduziu e pensei
que tinha de ler as palavras
que ela dera ao Balzac...
Estou a ficar piegas,
saber que não estás
é saber que não há colunas
no remate da Praça
e sentir que o Tejo passa
Sem Terreiro nem Paço,
e leva as águas
só comércio e sem remédio.
Sabes que contigo aprendi
que a fealdade é uma palavra normativa
para a incapacidade de perceber
é um Amtssprache malévolo.
A ergonomia das construções
é a harmonia da necessidade
É o que o fazer ensina a quem faz.
Não há arquitectura popular nem arquitectura erudita
Só há arquitectura que dura e se refaz
da pedra sêca ao arco perfeito
o abrigo e a luz
o ar e o refúgio
o largo e a comunidade
A terra, a água, o fogo, a imaginação
A mão
E a liberdade de poder começar em outro lugar.
Olha, afinal o café no jardim do Príncipe Real terá de ficar para depois.
sábado, 23 de março de 2019
sexta-feira, 22 de março de 2019
A Dor - Quando se dá a somatização da dor alheia.
Onde estão as casas que havia
Nestas ruas onde agora passo?
Pergunto, o que aqui faço...
Que é dos nomes que então ouvia?
…Dos aromas e sabores que provei?
Não são casas, são dentes arrancados!
Doidas dores, doídas, …pecados…
Sofridas nozes de partir, que sei?
Barrentas águas a vencer, suóres
Fomes e sedes a acontecer, mínguas…
Crianças gritam em tantas línguas
Dilaceradas, perdidas, deuses menores
Dentes arrancados da boca são
E eram firmes Pedras de Guilhim,
Oh restinga de barro! Oh Gente assim!
Precárias ínsuas sem firme chão
Só vós vos podereis reconstruir
Erguer da ruína vossa vontade
Por ser nessa terra verdade
A bondade de saber sorrir.
domingo, 17 de março de 2019
LAPIS - Olhando para trás e para a "vernissage".
À porta do atelier o primeiro desenho ainda no decurso do trabalho, e já na galeria o último desenho, feito imediatamente antes da inauguração da exposição ilustrando o que pode ser uma mariola ou malhão. Ficaram lado a lado. A vernissage é isso mesmo o último retoque, a última camada de verniz antes de se abrir a porta.
LAPIS - A INAUGURAÇÃO
sábado, 16 de março de 2019
Inauguração da Exposição LAPIS fotos do António Delicado
O outro lado da pequena sala. A percepção do espanto do esforço do trabalho na pedra dá lugar à perplexidade do trabalho forçado que desconhecemos, que ignoramos e que toleramos.
Começa pela nossa calçada portuguesa (falei a 30 de Janeiro) um trabalho forçado feito por homens agrilhoados que estavam encarcerados no Castelo de São Jorge pela década de 1840 e deu origem ao empedrado do Rossio em Lisboa, conhecido por "Mar Largo" e que tanto espantava os visitantes estrangeiros do sec. XIX pela ilusão de óptica que fazia parecer ser o pavimento às ondas, em relevo.
O grande desenho escuro é a representação da Pedreira de Mauthausen - Gusen que tenho aqui mostrado (15 de Fevereiro) e falado em publicações anteriores.
No chão um pedaço de calçada portuguesa e o martelo conhecido por escoda, um paralelepípedo de granito semelhante ao de Mauthausen- Gusen, e uma escultura jacente do António Diogo Rosa.
À direita um plinto onde uma redoma em vidro abriga uma maceta portuguesa e um cinzel curto. O painel que está por cima tem um corpo anónimo com a farda dos prisioneiros dos campos de concentração e extermínio que o Reich Alemão produziu entre Março de 1933 e 1945 incluindo o conjunto de mais de 100 campos de concentração que hoje chamamos genéricamente Mauthausen. Nesse desenho a vermelho atrás da figura lê-se a palavra COLTAN uma abreviatura dos minérios Columbite e Tantalite que hoje produzem modernos campos de concentração e extermínio na Républica do Congo, Ruanda, Afeganistão; e desestabilizam governos legítimos de países como a Colômbia, o Brasil, a Venezuela...
Inauguração da exposição LAPIS fotografia do António Delicado
Da esquerda para a direita, "A pedra-que-abana", "O Templário" escultura do António Diogo Rosa "Álvaro Góis, Rui Mamede", os desenhos "Escopro" e "Maceta Portuguesa" e a escultura Bernardo Soares. A folha na diagonal reproduz um texto do Livro do Desassossego que diz assim:
Uma pedra é mais interessante que um
operário.
A dor de uma árvore que o vento abata quão
mais nobre é que a angústia de um jornaleiro que morre de miséria! Ao menos
morre silenciosa, salvo o (...) de quebrar-se e o baque de cair morta. Não
morre dizendo asneiras sobre capitalistas exploradores e reivindicações
sociais. Não é suja nem feia... E um operário mal trajado raras vezes o não é.
A funda comoção que é a alma estática dos
rochedos é mais verdadeira e bela que toda a teoria socialista ou anarquista.
A canção de um rochedo pode ser asneira,
pode ser que não exista. Mas as teorias humanitárias são asneiras com certeza,
e sobre serem asneiras sociológicas, são asneiras de análise psicológica.
Mesmo que um monte pareça frio sempre
há-de haver um poente que lhe ponha uma auréola de beleza e alheamento. E que
poente nos vai dourar para pitoresco um estúpido que moureja para ganhar numa
fábrica o pão de cada dia? Que ânimo orna de novidade um sub-homem que (...)
O poeta busca a beleza, não busca a (…)
E que beleza tem a dor dum proletário?
Ainda quando é a dor de um aristocrata chorando...
Uma manada de operários! Se a gente [...] com demorada
intensidade nauseia-se. A dor de uma mulher do povo! Uma berraria indecorosa
que um ouvido musical não pode ouvir.
A inauguração da Exposição LAPIS fotografia feita pelo António Delicado.
A galeria tem uma sala maior e uma pequena sala. Na sala mais pequena foram montados os desenhos.
Com a vizinhança das esculturas do António Diogo Rosa foi necessário integrar as especificidades dos discursos individuais, unidos pela temática de fundo que dá nome à exposição, LAPIS, a pedra.
Aqui vêem-se ao fundo no chão as pedras que simulam uma mariola e o papel onde escrevi o texto aqui reproduzido no dia catorze. Nesta altura ainda me faltava desenhar sobre o papel de cenário a ilustração que daria coerência ao monte de pedras que simulava uma mariola e a sua explicação. Do lado direito o desenho maior é "A pedra-que-abana" do lado esquerdo o "Ergueram muros e "Familia".
Em primeiro plano o Bernardo Soares do António Diogo Rosa.
Com a vizinhança das esculturas do António Diogo Rosa foi necessário integrar as especificidades dos discursos individuais, unidos pela temática de fundo que dá nome à exposição, LAPIS, a pedra.
Aqui vêem-se ao fundo no chão as pedras que simulam uma mariola e o papel onde escrevi o texto aqui reproduzido no dia catorze. Nesta altura ainda me faltava desenhar sobre o papel de cenário a ilustração que daria coerência ao monte de pedras que simulava uma mariola e a sua explicação. Do lado direito o desenho maior é "A pedra-que-abana" do lado esquerdo o "Ergueram muros e "Familia".
Em primeiro plano o Bernardo Soares do António Diogo Rosa.
LAPIS - Do catálogo, o texto apologético que não fica bem a este modesto autor.
Mas como dizia não sei quem:
"Vamos lá deixe-se de tanta modéstia, afinal você também não é assim tão importante."
"Vamos lá deixe-se de tanta modéstia, afinal você também não é assim tão importante."
LUÍS FILIPE GOMES
Desenha compulsivamente desde criança, o seu mundo
estruturado no desenho e na escrita integra a cultura tradicional e a cultura
erudita nos seus mais variados aspectos. Admira tudo, tudo é digno da sua
atenção, desde a forma como se esculpe em pedra, como se canta uma canção, como
se coze um pão ou como se toca um piano, nada escapa à sua investigação a que
dedica longas horas de estudo. Naturalmente é uma pessoa com uma vasta cultura
e uma criatividade ilimitada, duma grande generosidade na partilha das suas
ideias e conhecimentos. É um artista multifacetado que pelas circunstâncias da
sua vida é obrigado a dividir o seu tempo por várias actividades profissionais,
o que o leva a expor poucas vezes o seu trabalho, no entanto depois de um
período de formação em que frequentou o Curso de Desenho do Ar.Co, fez o Curso
de Gravura em Metal da Galeria Diferença,
frequentou o Curso de Desenho da Sociedade Nacional de Belas
Artes, entre outros, tem participado em várias iniciativas interessantes,
nomeadamente a famosa caixa de Arte de homenagem a Ernesto de Sousa PIPXOU, Ilustrou
Livros e Revistas, os seus desenhos foram frequentemente publicados e premiados
no DN - Jovem do «Diário de Notícias». Em 2017 Menção Honrosa da SNBA. Desenvolveu
ainda vários projectos ligados à gravura, tendo participado na 8ª
trienal de Chamalieres, Mondial de L’éstampe et de la Gravure Originale, em
França.
Os seus trabalhos são publicados diáriamente no seu blog luisdesenha.blogspot.com
Está representado em colecções particulares em Portugal e no
estrangeiro.
Tem obras em vários municípios e instituições do país:
Correios de Portugal, Ministério das Finanças, CM Arruda do Vinhos, MUSA Sintra,
etc. Beatriz Cunha, Fev. 2019
sexta-feira, 15 de março de 2019
LAPIS - O Texto do catálogo da exposição.
LAPIS em latim significa pedra.
LAPIS são pedras.
A designação pedra vem do grego e está mais ligada ao
conceito de rochedo, rocha de maior dimensão.
Para o bem e para o mal as pedras acompanham-nos desde que
nos identificamos enquanto humanidade. De pedra são os abrigos mais antigos e
os bens mais duráveis com os quais podemos classificar as nossas origens e a
nossa identidade cultural mais remota: raspadores, facas, machados, pontas de
seta. Muitas destas pedras foram talhadas em pederneira, o sílex; outras em
obsidiana, um vidro vulcânico que pode ser tão cortante como o melhor aço. Não
pensando só em pedras duras o ocre que é uma argila vermelha ou amarela foi
usado nas culturas de todo mundo na África do Sul há 160 mil anos, aqui no território
de Portugal há 24500 anos, na mortalha do Menino do Lapedo, uma criança
resultante do acasalamento entre um homo
sapiens e um homo neanderthalensis
Os italianos ainda
hoje chamam ao lápis matita seja
qual for a sua cor: lapis haematites é uma pedra conhecida em português
por sanguínea, hematite é o nome que os gregos davam à pedra cor de sangue e
era uma pedra de desenho avermelhada muito usada nos desenhos da renascença. O lápis-lazúli é
uma pedra azul semipreciosa e era triturada até ser feito um pó fino de cor
azul denso e profundo, cor também conhecida por azul ultramarino.
Há menos de um século as crianças quase não tinham cadernos,
o papel para escrever era ainda caro. Nesse tempo aprendiam a escrever em
pequenas pedras emolduradas em madeira de pinho. Nessas pedras de ardósia, um
xisto negro e de grão fino, escreviam com lápis, também de pedra feita de um
xisto cinzento mais brando.
Até há bem pouco tempo as equações matemáticas mais
complexas e os cálculos mais demorados eram escritos sobre grandes quados de
fina lousa com umas pedras cilíndricas naturais chamadas cré, greda ou giz que por
conveniência passaram a ser feitas industrialmente a partir de gêsso e
calcário.
Desta origem latina, LAPIS derivou uma família inteira de
palavras. Encontram-se no nosso vocabulário termos como lápide: uma
pedra funerária inscrita que assinalava ou cobria um túmulo. Ou lapidar com
vários significados: no melhor deles significa uma locução digna de ser
registada em pedra, no pior dos casos como sinónimo do acto de ferir ou causar
a morte a alguém a quem se atira pedras.
Rodeados por LAPIS estamos ainda hoje: Uns literalmente
digitais como a ponta dos nossos dedos nos visores tácteis dos computadores de
bolso, outros virtuais como o nosso olhar a distância apontando o infinitamente
pequeno ou o infinitamente grande.
Esta exposição pretende fazer a ponte entre a idealização e
a possibilidade de concretização. Nela existe a solidão da antevisão, a
responsabilidade do projecto, e o risco do erro.
Do melhor e do pior do que a humanidade é capaz fazemos a
nossa reflexão. Nestes tempos paradoxais através desta exposição LAPIS tentamos
separar o que é esforço do que é trabalho forçado. A perplexidade perante a
natureza agreste e a construção do que é paisagem e beleza. Modestamente
aventurámos fazer caminho de encontrar motivo para a Arte enquanto justificação
do gesto e da razão da própria existência Humana.
quinta-feira, 14 de março de 2019
Malhões e mariolas - LAPIS- A exposição a inaugurar amanhã. Quando as pedras se amontoam.
Quando as pedras se amontoam sinalizam sempre alguma coisa. Podem ser marcos de limite de propriedade, podem ser orientações de bom caminho, podem ser ex-votos de agradecimento por graça recebida por um crente.
Nas serras em que o solo é rochosos e mesmo a passagem continuada de pessoas não deixa pista de caminho pisado por onde seguir, é costume empilhar pedras para indicar a direcção do trilho.
Estes amontoados de pedras são no seu objectivo como as placas de direcção das modernas estradas. São sinais de orientação e destinam-se a salvar vidas.
São construídos com base em algum ponto mais elevado e visível a distância. Podem ter só 3 ou 4 pedras, ou podem erguer-se alguns metros como uma torre.
Nas mariolas ou malhões, há pontos de mira que indicam o sentido para um e outro lado do caminho a seguir. Servem para dirigir o olhar para outra mariola que dali se avista, ou no caso de a visibilidade ser nula, se houver nevoeiro, chuva, ou falta de luz do dia, poderem ainda orientar a caminhada.
Esses pontos de mira podem ser "petadas", sulcos ou cruzes que se avivam raspando musgos e líquenes quando por lá se passa e podem estar descobertos ou tapados por outra pedra que se destaca do sítio onde está a marca.
Em alguns malhões há marcas que indicam até onde chega a altura da neve e atingindo um nível ou outro, indicam se é possível continuar a jornada ou se é melhor voltar para trás. Noutros há indicação para água de nascentes que nunca secam mesmo nos anos mais secos.
As marcas de ex-voto são notáveis por pedras que intercaladas não fazem parte da orografia local, uma pedra de granito numa terra de xisto, uma pedra polida do rio de cor diferente do local onde está depositada. Indicam que alguém carregou essas pedras como oferta de esforço sacrificial.
Por todas estas razões não devem ser empilhadas pedras sem saber o que se está a fazer, nem devem ser alterados ou destruídos montes que se encontrem feitos.
quarta-feira, 13 de março de 2019
terça-feira, 12 de março de 2019
terça-feira, 5 de março de 2019
LAPIS -A exposição abre Sexta-feira dia 15 de Março de 2019 ás 18 horas, na Galeria Beltrão Coelho que se situa ali na Rua Sarmento de Beires 3A 1900-410, a meio caminho entre as Olaias e o Areeiro, em Lisboa. Para quem usa GPS a Latitude é 38,742205 e a Longitude -9,127975.
E quando se muda toda a disposição da exposição?
Para mim o espalhamento é a disposição que se dá às várias peças num espaço, o destaque que se atribui a cada uma de forma a criar uma ordem ou um caos.No fundo é um roteiro sequencial, uma lista.
O Umberto Eco falou e escreveu sobre essa "Vertigem da Lista".
Os espalhamentos são por vezes etéreos, por ser tão baixa a densidade das peças a observar face ao espaço que ocupam. Neste momento é ainda essa a tendência expositiva das galerias comerciais.
O meu objectivo para esta exposição tem vindo a evoluir e os constrangimentos com que me vou deparando obrigam a uma saturação expositiva que já é favorecida pela representação que adoptei face à temática destinada: "a pedra".
Mais do que isso, o espaço que eu aceitei para a apresentação das minhas peças, dos meus desenhos, já contém esse confinamento de nicho, de cripta.
Agora que a montagem da exposição se aproxima surgem as dúvidas sobre o tal espalhamento.
Mas é normal, recordo que a exposição que me deu mais trabalho e demorou mais tempo a montar, foi uma individual que fiz numa galeria que conhecia bem por ter feito o espalhamento e a montagem para muitos artistas que por lá passaram. No meu caso e em causa própria, o discernimento e a avaliação da maneira de fazer bem ficam turvos como num nevoeiro, perco perspectiva e visão global. Só os detalhes parecem contar e isso é um alerta para mim. Reparo que essa é a minha maneira de estar em processo de fuga. Um processo que me leva precisamente ao desenho, sendo através do desenho que a evasão desse estado de visão confinada se torna possível.
No nevoeiro também impera o silêncio, daí talvez não conseguir ouvir música quando estou a desenhar, se ela estiver presente deixo de a ouvir.
segunda-feira, 4 de março de 2019
Conan Osiris - 100 Paciência
"Tou farta você deve é ser otário"
Pois é, ele é diferente!
E é verdade, ele é bom!
É mesmo verdade, ele é um bom e diferente artista de variedades!
Não me lembro de se poder aplicar a alguém esta expressão de artista de variedades ultimamente.
Ultimamente não me lembro de ouvir alguém com tamanha carga de ironia.
Se eu quiser falar na expressividade surreal da letra, terei de recuar até José Afonso e até ao imaginário popular; à fantasia, ao fantástico do imaginário popular.
E se falo aqui de letra é porque tenho ainda o pudor de chamar poesia à letra das canções.
Enfermo talvez de um preconceito que classificou Ary dos Santos como letrista e não como poeta, que olhou de soslaio para os versos de Amália Rodrigues que por modéstia ou por falta de vontade em dar explicações ela deixou anónimos durante anos.
Não me venham dizer que não percebem o que ele diz, poderá parecer difícil de seguir, mas não mais do que qualquer ária de ópera cantada em português.
Sim é verdade, há óperas escritas em português e eu até nem gosto de ópera.
Mas não se pense que a "letra", aparentemente fantástica, surreal, é desligada da realidade. Vivemos num mundo em que a fantasia se confunde com o real e nunca antes foi tão palpável telefonar para o Céu. É nesse Olimpo, morada dos Deuses que entregamos os nossos dados pessoais mais privados: as fotografias dos filhos e dos netos, os momentos íntimos mais nus, aquilo que escrevemos... Agora chamamos a isso a "Cloud" e tomando a Núvem por Juno, continuamos a ser manipulados por Zeus.
As "letras" de Conan Osíris espelham a realidade, e como habitualmente a realidade não é aquela que gostamos de encarar.
Eu já fui como a "médica" da canção e julguei esta geração que agora tem trinta anos como os "sem paciência" os impacientes. Os que foram habituados a terem tudo pronto, habituados ao filete sem espinhas e à carne mastigada em forma de hambúrguer. Mas isso é o erro de paralaxe da minha geração, um erro de perspectiva que sempre existiu e que por vezes me esqueço de corrigir.
Não falarei aqui da música. O nível de complexidade é elevado ainda que seja melódicamente fácil de escutar. Há uma sensação de travessia de um souk do Médio Oriente, de um bazar Persa. Há fragrâncias que vêm até da longínqua Índia, e por isso, ou mesmo por isso é Música Portuguesa da melhor que se faz hoje. Portuguesa e do Mundo.
Pois é, ele é bom! Apesar do bem intencionado desdém medroso com que aparentemente o apresentador parece querer defender-se e desculpar-se ao encerrar a actuação de Conam Osíris, ele é bom!
P. S. Do extraordinário bailarino que acompanha Conam Osíris nada posso dizer, não tenho capacidade de avaliação. Mas com ele o Artista de Variedades que é Conam Osíris entra em sintonia e apresenta-se sobre azul, como uma antiga e preciosa jóia de ouro.
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