Pois pois! Ainda bem que não me puseram a estudar música!
Eu bem pedi, tinha aí uns três anos, que me arranjassem um
piano. Que não, que era muito caro!
Tanto pedi que o "menino jesus" me trouxe um
vibrafone de palhetas metálicas dentro de uma armação azul claro com a forma de
piano vertical em miniatura.
É evidente que o "menino jesus" não percebia nada
de música nem de instrumentos.
A pedincha continuou: -Ao menos uma guitarra!?
Depois de umas gaitas-de-beiços do "Fado
Portuguez" que a saliva e a curiosidade engenheira destroçaram, lá
apareceu um violão plástico com linhas de pesca a servir de cordas e com
cravelhas que desenroscavam ao tanger.
Aos seis anos a minha mãe lá foi falar com uma professora de
piano. As aulas eram muito caras. -Mas tem piano em casa? -Não não tínhamos
piano em casa; sim havia um piano em casa da tia-avó da criança, mas não era
dela, era dos meninos da casa e ela era só a serviçal, e o piano não estava acessível, não se podia tocar em surdina,
ter-se-ía de pedir autorização...
Ao entrar para a Escola Preparatória, no meu quinto ano de escolaridade, havia finalmente educação
musical. E podia-se aprender a tocar um instrumento...
-Lamentamos muito mas todos os instrumentos estão já tomados
não há violas, nem flautas. Privilegiamos os alunos que já têm formação musical
sabe!?... Mas se tiver um instrumento poderá assistir...
O Gonçalinho tocava violino. Conhecia-o desde a
instrumentação primária; da instrução primária quero eu dizer; em que tínhamos sido da mesma classe. O Gonçalinho
soava mal mas no sarau de Natal a professora fez questão de sublinhar que era
uma peça muito difícil e que representava um grande feito o Gonçalinho poder
tocá-la assim tão mal.
Depois veio o 25 de Abril de 1974. Felizmente veio e
acabaram-se as aulas de música. Decidi ir voluntáriamente aprender Inglês,
era uma disciplina extra curricular, uma das aulas calhava ao Sábado, tinha de ir de propósito. Fui um bom aluno.
Entretanto esqueci-me de aprender música e passei a
escutá-la. Dediquei-me a desenhar, que era coisa que desde tenra idade me
incentivavam como forma de estar sossegado sem fazer barulho.
Agora penso, o meu pai trabalhava de noite e dormia de dia
será que era por isso que não queriam que eu fizésse barulho?...Tocásse um
instrumento como o Gonçalinho?
Nãaa! De facto não havia dinheiro para dar a um pobre. O
máximo que a minha mãe fazia era dar-lhes um prato de sopa e uma carcaça com o
que houvesse.
(*)Este texto, inicialmente parte do comentário feito à publicação "Vocação e Profissão" de Sexta-feira, 28 de Junho de 2013, do extraordinário blogue "Questões de Moral" de Joel Costa, acessível na minha lista de blogues; é aqui republicado com ligeiras correcções.