sábado, 30 de agosto de 2014

O inefável nenúfar.



-Eu devia era ter nascido num país onde me fosse dado o verdadeiro valor!- Disse o Lótus-do-Egipto ao seu pântano. 
Assim foi, o lótus renasceu tulipa num pólder holandês. Ainda não chegou à maturidade porque é rápidamente ceifado, emolhado e enviado com as demais tulipas para o leilão no mercado das flores. Costuma ser colocado em jarras de cemitérios próximos. Volta sempre ao seu pólder devidamente triturado após fermentar na montureira de detritos vegetais. 

O mundo dos adultos.


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Quermesse.-Quanto vale? Pergunta o vendedor de banha da cobra.


-Ai quanto vale? Quanto vale?  Quanto vale esta latinha "migalheiro"? Com borboletinha?! E a acompanhar mais outra latinha sardinheira com duas molinhas da sorte?...Molinhas com as cores nacionais para prender as notinhas de banco e não as deixar voar, voar, voar...Ai quanto vale meu povo????        Que eu hoje estou louquinho e estou aqui para dar brindes a todos!!!





-O cavalheiro lá do fundo dá mil!

-E quem dá mais? Quem dá mais? Quem dá mais para ajudar a nossa Obra de Caridade da Pombinha do Espírito Santo??
Vamos lá meu povo que eu estou aqui a OBRAR p'ra vocês! ....Ai que o que eu quero é obrar, obrar, obrar para vocês todos!



 

sábado, 23 de agosto de 2014

Cor de laranja ou a cor que não tem nome.



Chamamos-lhe cor de laranja. Mas poder-se-lhe-ía chamar cor de alperce, cor de abóbora, cor de cenoura; cor de açafrão ou cor de curcuma. Ou melhor ainda, cor de ocaso, ou cor de fogo, ou cor de Oriente.
No Oriente esta cor sem nome que se agarra àquilo que a ilustra, era uma cor de pobreza. No Oriente os mendigos cobriam-se com mantos tingidos dessa cor. Por isso quando Siddhartha Ghautama, aquele ser a quem chamaram Buda, atingiu a Iluminação, fez desse manto a sua veste em sinal de despojamento. Desde então essa cor é também por isso, uma cor de sabedoria e de santidade.

Na época medieval a cor sem nome, amarelo avermelhada, simbolizava a cobiça, a fúria, a insanidade e a morte.

Talvez que a esta carga simbólica de violência não fosse alheio o facto de serem usados desde a antiguidade pigmentos altamente tóxicos obtidos de minerais de arsénio e enxofre, realgar e orpiment ou ouro-pigmento que são sulfuretos de arsénio. Foi com estes pigmentos obtidos dos minerais triturados que se pintaram belos túmulos egípcios, templos gregos, frescos romanos, ícones ortodoxos, iluminuras, ...e pontas de seta. As belas pontas de seta que assim oxidavam menos e matavam melhor. Quem não morria da ferida logo morria do envenenamento. Não é feito Ocidental exclusivo pois parece que o pó mineral cor de ouro também era usado no Oriente, na China, era usado para matar não só os humanos mas também os ratos.

A bela côr “alaranjada” dos códices medievais feita de arsénico e enxofre é mais um daqueles homicidas prodigiosos de que fala Umberto Eco no “Nome da Rosa”.



Pelo séc. XVI os portugueses que tinham chegado ao Oriente, de lá trazem e espalham laranjas e laranjeiras por todo o lado.  Até o capitão da Nau Catrineta tinha um laranjal. Todos os quintais têm uma ou mais laranjeiras,quem diga que cá ficavam com as doces e para fora vendiam as amargas. Mas mesmo dessas laranjas amargas alguém que terá partido de Portugal para Inglaterra com uma tal Catarina decidiu fazer o que fazia aos intragáveis marmelos e por isso a marmelada que os Ingleses comem nada tem a ver com marmelos mas sim com laranjas.

O sucesso  das laranjas foi tal que a Casa de Nassau e Arausio uma pequena localidade fundada em 36 a.C. pelos Romanos onde outrora se cultuava uma divindade céltico-latina das águas e das fontes adoptou o nome Orange e mais do que tudo adoptou a cor da laranja. A Casa de Orange continua a reinar na Holanda e o Laranja é a cor com que os holandeses se identificam mesmo sem saberem porquê.

Nos dias de hoje de normas e directivas; de leis e de mais leis, a cor de laranja foi escolhida pela marinha como a cor das bóias, dos coletes de salvação e das embarcações de socorro. Por ser uma cor visível com pouca luz, por se destacar mesmo na obscuridade quase total e por ser ainda uma cor rara no mar e na natureza, associada à produção humana.

Náufragos antigos que sobreviveram a ataques de monstros marinhos atribuíram a essa cor o poder de repelir tais predadores; marinheiros de navios afundados durante a Segunda Guerra Mundial referiram o mesmo no que se julga hoje terem sido ataques de lulas gigantes ou tubarões.
 Infelizmente a cor de laranja também foi a cor escolhida para ser a cor dos prisioneiros. Prisioneiros condenados ou inocentes, julgados ou sem direito a justiça alguma.
Cor de laranja é a cor das roupas dos torturados, dos supliciados.

Se a infâmia e a ignomínia têm cor essa parece ser a cor de laranja.

O antigo valor simbólico medieval desta cor sem nome está a ganhar importância e de novo parece querer colorir a morte.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

GASPACHO (Preceito de 1948, BARRANCOS)



No alguidar ou em outro recipiente onde vai ser feito o gaspacho cobrir com água fresca o pão inteiro. Deixar que este absorva a água suficiente para que possa ser esfarelado com as mãos. Seguidamente migar finamente dois pepinos em quadrículas. Fazer o mesmo aos tomates bem maduros, dois ou mais por cada pepino. Cortar muito finamente um pimento verde. Esmagar no graal 2 alhos com uma colher pequena de sal e juntar. Temperar com vinagre e azeite, cobrir com água fresca e mexer tudo. Juntar pequenos bagos de uva preta. Deixar repousar pelo menos duas horas em local fresco. Mexer novamente antes de servir.

O pão de trigo tinha cerca de 800g. Na altura havia pães de centeio a que chamavam marrocates; era esse o pão dos trabalhadores rurais, cada pão tinha cerca de 200g.
Dos tomates podem ser retiradas as sementes se assim se desejar. Podem também ser pelados, para tal passa-se o gume da faca ao longo da pele sem a romper, como uma espátula. No final desta operação retira-se a pele ao tomate sem necessidade de o escaldar..
Podem-se juntar coentros aos alhos e ao sal. Ou podem ser cortados finos e adicionados com a água.
Podem ser usados orégãos em alternativa, ou em adição, aos coentros.
O gaspacho era uma refeição completa. Era refeição fresca para dias de grande calma (calor).

sábado, 16 de agosto de 2014

Na despedida da Dóris Graça Dias



Vamos lá a ver se nos entendemos!

A felicidade na vida pode ser só uma paisagem como a serra em frente e as casas, as casas em salpicos aqui e ali como folhas esvoaçantes arrancadas de um caderno, que se quedassem num  pousar breve... Um monte desenhado pela aresta das árvores: os choupos, os ulmeiros, as oliveiras e entre elas, no espaço, o bater vagaroso das asas das garças que a distância traze refulgente numa acção retardada e de inesperada lentidão. A felicidade pode ser essa lentidão branca sem dor, deslocando-se na linha mediana entre o olhar e a aresta do monte; entre o azul celeste e a saibreira verde da ribeira em baixo. A morte dos outros não me importa para nada, a morte dos outros não me traz felicidade e só me aflige e me deixa de boca aberta, pasmado a olhar para lá do cenário finito da minha visão, e a correr aquela interminável lista de afazeres que com eles poderia ter realizado. E com eles poderia ter sido alegre e ter rido e disparatado e poderia ter sido...  Olha Dóris acho que te dei um boneco um dia ou era para ter dado, já não sei... Vamos lá a ver se nos entendemos: O Mário Sá Carneiro foi-se aos 26, o Cristovam Pavia aos 35, a Florbela Espanca aos 36 o Fernando Pessoa aos 47 e eu que o tinha visto numa fotografia de 1935 e pensara então que ele tinha morrido com sessenta e muitos...


Eu penso que te dei um boneco um dia, deves ter dito que gostavas dele ou assim, mas se não dei, bem que gostaria de te ter dado. Hoje Dóris não consigo desenhar nada e escrever, bem vês como me é difícil. E hoje o meu pai faria anos... Hoje não consigo desenhar nada Dóris, mas acho que continuarei a pensar em ti durante muitos desenhos por vir.