domingo, 28 de fevereiro de 2016

A visão do escorpião.

Fiz um teste de visão desses que poluem os ambientes virtuais das redes sociais. Tenho a visão de um piloto; piloto de avião, era o que a imagem que acompanhava o teste sugeria.
Não fiquei espantado com a minha aptidão pois já antes tinha feito teste semelhante que me colocava num grupo restrito dos que têm olho de falcão o que para efeitos de vôo também serve.
 O teste da visão de piloto tem "glamour" é sem dúvida uma qualidade excepcional ter um olho em terra de cegos. É sem dúvida extraordinário ver melhor que a maioria se isso possibilitar andar pelos céus; tem "charme" andar pelos céus como uma rapina. Se daí resultar que parceiras sexuais se proponham querendo acasalamento pelo amor da reprodutibilidade genética tanto melhor.
Se o teste propusesse por comparação a visão de um caldeireiro, de um forneiro; ou de um serralheiro, de um torneiro, de um rectificador quem o faria? Quem quereria ser equiparado a eles. 
Eu que fui metalúrgico por 9 anos e que falava com eles, conheci forneiros que da boca do forno olhavam para o interior dos seus infernos de chamas e conseguiam dizer a que temperatura estava aquele ambiente com menor erro de leitura do que aquele que os instrumentos de leitura óptica permitiam: "Está a 1230 graus tem de subir até 1280!" 
Conheci fresadores e torneiros cujo olhar detectava erros de décimas de mílimetro.
Rectificadores que avaliavam a rugosidade das suas peças com a precisão de dezenas de mícrons.
Lembrei-me então de coisas dolorosas ligadas à penosidade do mundo do trabalho. Lembrei-me do virtuosismo mal pago e desvalorizado inerente a qualquer profissão artesanal a não ser que ande de mão dada com hábitos de parolos endinheirados e que seja rotulada com as palavras bacocas como excelência, top, espectáculo...   
 Lembrei-me então que não se deve confundir a visão do escorpião com o avistamento do escorpião. E que mesmo de noite quando não o vemos,  ele brilha no escuro.



 

Tempo bissexto.



















O tempo é um furtivo sedutor que explora a nossa avidez, de alguma maneira desejamos aquilo que nos dá sem reparar naquilo que nos tira.







terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Mestre Pedro.


Os ferros do vidreiro.

A pinceta.

O maço do mestre vidreiro.





























Os maços são ferramentas de madeira de sobreiro, plátano, cerejeira e alguma outras, usadas na modelação do vidro trazido na cana de soprar após a colheita no forno.

...dar maço.

O vidro em fusão que é colhido do forno com a cana para ser soprado pelo vidreiro é trabalhado e moldado com uma espécie de concha de madeira que está de molho em recipientes com água para que a madeira não arda com a alta temperatura a que está o vidro. O mestre vidreiro prepara assim a esfericidade do material a ser soprado comprimindo-o na forma de uma pêra ou alongando-o até à forma de uma bolota.

A Sopa do Vidreiro

O forno nunca se apaga.



























A Sopa do Vidreiro
Escolhem-se duas remediadas postas de bacalhau do rabo, ou uma da cabeça e cozem-se num tacho. Retiram-se quando cozidas e na mesma água vão a cozer quatro batatas médias cortadas às rodelas grossas. Enquanto as batatas cozem, desfia-se o bacalhau e retiram-se-lhe as espinhas. Tiram-se as batatas cozidas e no caldo escalfam-se dois ovos. Apaga-se o lume retiram-se os ovos escalfados. No tacho afundam-se quatro fatias de pão de trigo que se cobrem com as batatas, tempera-se com azeite e junta-se por cima duas fatias de broa de milho esfareladas quatro dentes de alho e o bacalhau desfiado. Por esta altura o caldo deve ter sido absorvido pelo pão. Se houver ainda caldo, adicionar mais broa depositar por cima os ovos escalfados e cobrir com salsa picada ou hortelã. Tampa-se o tacho que se coloca num pano e amarram-se-lhe as pontas em cruz para que não arrefeça. No tempo da fábrica colocava-se dentro de um cestinho de vime. Acompanha-se com uma garrafa de vinho. E leva-se ao vidreiro.

Os ingredientes são para duas pessoas mas com as mesmas quantidades comem 4 desde que se acrescente o pão e os ovos. A sequência de cozedura dos ingredientes tem a ver com o tamanho do tacho e do fogareiro a carvão ou a petróleo onde era cozinhado.
Não há receita que não tenha variantes e assim soube de sopas que levam couves, outras levam menos bacalhau, outras em vez de alho cru este é cozido com o bacalhau, algumas levam louro quando o bacalhau vai a cozer. Na verdade as variações interrompiam a monotonia do paladar e proporcionavam diferentes sabores e aromas para a mesma receita base.
Devido à exposição a temperaturas ambientes elevadas a sudação continuada provocava a desidratação dos vidreiros e fazia com que perdessem muitos sais. O sal do bacalhau era importante na reposição desses elementos no organismo dos vidreiros nomeadamente o sódio e o magnésio.






sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O encontro de Fernando Pessoa com James Joyce num azulejo de 15cm

Na altura que pintei este azulejo tentava reproduzir a ideia que tive anos antes e que fácilmente deu origem a vários azulejos avulsos . Colocar escritores do meu agrado falando uns com os outros: Camões com Bocage, Florbela Espanca com Cesário Verde, Conrad com Pessoa, Pessoa com Joyce, etc.
Tenho dificuldade em copiar e reproduzir em série uma imagem mesmo que ela seja minha. O incentivo para mim é criar, não é copiar. Quando parece que copio um tema estou fazendo uma variação desse tema. Ou então estou a tentar resolver o que eu julgo não estar conseguido na forma, na composição, na mensagem ou onde quer que seja. Se por ventura estiver fazendo uma cópia, mesmo que seja mental, de alguma coisa que é minha autoria e o objecto que copio não esteja sequer presente, o meu subconsciente desaprova e a coisa não flui. Não me dou bem com a reprodução em série.
O azulejo que aqui mostro é daqueles que coloquei de lado. Ao sair da mufla avaliei o resultado e não estando dentro das expectativas coloquei-o de parte. Em termos indústriais é daqueles que não passou a triagem da mesa de escolha por apresentar defeito. 
O defeito resulta da reticência relativa à cópia que descrevi em cima. No caso deste azulejo  manifestou-se materialmente no resultado da execução da pintura. O pincel não deslizava uniformemente sobre o vidro, prendia aqui e ali. Tenho de explicar que nesta altura o vidro crú assemelha-se a uma camada de pó compacta muito porosa e absorvente, só depois de ir a um forno a mais de 1000 graus centígrados é que fica com a vitrificação que conhecemos dos azulejos das paredes. Nesse processo de cozedura as cores também se alteram e as camadas de pintura revelam-se em profundidade e intensidade.
Além do pincel não deslizar a diluição do corante que eu utilizava para pintar não mantinha a mesma concentração fluía ora muito espêsso ou tão diluído que quase só água ficava no traço que deixava. Na pintura de azulejo a humidade intensifica a tonalidade da cor no momento em que se pinta; uma vez enxuta só a camada superior da pintura é visível pois que também ela é um pó opaco que se sobrepõe ao pó do vidro da base, isto torna difícil avaliar até que ponto a opacidade é efectiva e suficiente. Só com a cozedura se revela o resultado final.


Neste azulejo fica patente que há linhas finas e fluidas com o mesmo valor de pigmentação e outras que se arrastam e empastam esborratando aqui e ali em larguras não pretendidas. Nas palavras escritas isto é patente para o olhar menos treinado.
A pintura de azulejo quando executada sem desenho prévio é um desafio para o olhar, para a mão e para o espírito. É semelhante a uma caligrafia, semelhante à escrita oriental de caracteres. A velocidade da mão não pode ser diferente da velocidade com que o pensamento dita o que a mão escreve porque o olhar apercebe-se, o pensamento impacienta-se e a mão vacila.



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Louro.

  
Uma reflexão sobre a liberdade e a música. 
    (Para o Diogo que gosta da iconografia ligada às tabernas.)