quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Apanhei-te Cavaquinho [Episódio II]

Como nos conta Júlio Pereira a história do Cavaquinho é uma história que é mais contada pelos seus filhos e netos (instrumentos que descendem dele) do que própriamente pelo Cavaquinho original. Eu atrevo-me a dizer que a história como registo narrativo também ela está a ser mais escrita pelos descendentes trans-oceânicos  do que pelos herdeiros portugueses. O segundo episódio do documentário que aqui reproduzo é a prova . Mas isso só abona em favor do Cavaquinho ele mesmo; um instrumento feito com madeira de pelo menos 3 continentes, que pode ter mais de 9 afinações, que muda a vida de qualquer construtor e ao que parece exige tal subtileza artesanal que lhe dá aptidão para construir qualquer outro instrumento maior. Dizem porém que construtor que faça um cavaquinho, mesmo fazendo igual, faz sempre um instrumento diferente. Cada instrumento artesanal tem uma sonoridade própria uma personalidade. Apesar disso construtores há que ao longo de suas vidas constroem dezenas de modelos diferentes de Cavaquinho parecendo que é o instrumento que os desafia e  lhes estimula as capacidades criativas.


Júlio Pereira - "Venho de Colher Macela"

O Primeiro disco que Júlio Pereira dedicou ao Cavaquinho data de 1981.
Não o tenho visto por aí e talvez fôsse boa ideia reeditá-lo.





Pulga Saltitante - Julio Pereira (Album: Cavaquinho.pt, 2014)


Pulga Saltitante diz-se Ukelele em Língua Havaiana.
Ukelele foi o nome que os havaianos deram ao instrumento musical que os imigrantes oriundos das Ilhas de Portugal traziam para as suas Ilhas Havaianas.
Grande era a novidade para instrumento tão pequeno. Tão aconchegante de tanger, as tonalidades alegres do seu som e a sua versatilidade aliadas ao facto de ser um instrumento tão portátil contribuíram para a sua adopção e difusão. Para isso talvez também tenha contribuído o espírito aberto dos tocadores que folgavam da sua vida dura de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar.
Júlio Pereira compôs esta melodia tentando recriar a impressão que esses primeiros ouvintes havaianos tiveram ao escutar as melodias do cavaquinho.



O Cavaquinho bem podia ser considerado como parte do Património Imaterial da Humanidade e quem nos ajudou a tomar essa consciência foi um fabuloso compositor chamado Júlio Pereira.


Se a cultura portuguesa legou à Humanidade algum bem que tenha contribuído para a Alegria e para a Felicidade, esse bem foi um instrumento musical chamado cavaquinho. O Cavaquinho bem podia ser considerado como parte do Património Imaterial da Humanidade. E se alguém houve nestes últimos anos que nos ajudou a tomar essa consciência, esse foi um fabuloso compositor chamado Júlio Pereira.
 Júlio Pereira tem um novo trabalho com vários cavaquinhos de várias proveniências. 
É fundamental comprar esse disco/livro.







segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A Praxe do jovem operário.



Como ultrapassei a praxe.
No tempo em que havia Indústria o mundo fabril tinha também as suas praxes para os novatos que nele ingressavam. Fundições, fábricas, estaleiros e oficinas tinham os seus códigos e regulamentos que transformavam colegas em companheiros, e companheiros em camaradas.
No meu tempo de ser submetido a praxe, ninguém me perguntou se alinhava na praxe ou se era contra ela. Não havia “Dux” na minha praxe mas todos os que me acolhiam na condição de novato sabiam perfeitamente o que tinha acontecido ao último “condottiero” que se autocognominara “Duce”. Deixo aqui a narrativa de alguns episódios em que aparentemente só me saíam “duques”.
De seu nome próprio Lenine, um dos meus Veteranos tinha nascido em 1917 e foi dele a primeira prova que superei. Mandou-me atender um velho telefone que eu nunca vira ser usado por ninguém. Supostamente a telefonista passara para ali uma chamada para mim. Como o PBX onde ela trabalhava era ali ao lado, fui lá confirmar se alguém me telefonara, como estava envolvida na praxe a telefonista disse-me que sim. Pedi-lhe delicadamente para passar a chamada para o outro telefone onde era habitual o pessoal da oficina atender. Disse-me que não podia porque a linha estava ocupada, mas como dando dois passos eu podia ver dali que estava livre e sem ninguém a falar dele, ela sorriu e disse-me que a chamada tinha caído. O telefone tinha o auscultador cheio de tinta negra de impressão que me pintaria de preto a orelha e parte da cara.
Outro Veterano com quem passei mais tempo chamava-se Alemão e quem olhásse para o seu bigode algo imperial, meio godo meio prussiano, e para os seus olhos azuis turquesa, poderia pensar que aquele apelido de família era apodo. O senhor Fernando Alemão após eu ter lavado vários equipamentos com uma pulverização de uma mistura de petróleo e solvente, mostrou-se preocupado com o ataque de gaifanas que eu estaria a sofrer nos meus olhos; a suposta inflamação passaria a conjuntivite e para a evitar eu teria de usar uma pomada especial, uma graxa de massa consistente que teria de ser aplicada na testa e com ligadura. Isto foi por volta do meio-dia, imediatamente antes de irmos para a rua almoçar a uma pequena casa de pasto vizinha. Inspeccionei-me ao espelho e tudo estava normal. Saí para o almoço sem a tal ligadura. O empregado da taberna corroborou a história e ao tratamento já acrescentava rodelas de batata crua entre a ligadura e a massa consistente que era para manter na cabeça a tarde toda. Disseram que eu era teimoso e que sofreria em breve; teriam de me levar ao médico. Na parte da tarde mais lavagens de equipamento me esperavam, preocupados que estavam com o ataque das gaifanas nos meus olhos ofereceram-me uns óculos de protecção tipo mergulhador que se ajustariam perfeitamente ao meu rosto com uma banda elástica. Sensibilizado com aquele cuidado aceitei os óculos mas interroguei-me porque não me teriam fornecido eles antes tais óculos. Assim que os avaliei melhor fiquei com os dedos sujos de tinta azul indelével, igual á que usa para marcar os dedos dos votantes em locais onde só assim se pode fazer o controlo de eleitores para os impedir de votar mais de uma vez. A tinta leva vários dias para saír apesar do solvente e da escovagem da pele que fica inevitavelmente vermelha da inflamação.
O Saraiva tinha-me reservado a prova mais bruta: a do tréque-lambér-de-orelhas. Assim sem mais nem menos e com urgência máxima era necessário ir buscar essa ferramenta de precisão capaz de desempenar veios múltiplos, árvores de excêntricos e rodas dentadas chamada tréque-lambér-de-orelhas. Era tão precioso que estava guardado no piso superior da oficina dentro de uma caixa de madeira com o tampo pregado. A caixa pesava seguramente 30 kg. Um carrego grande, não fôra o monta-cargas. Azar dos azares nesse dia e naquela altura o monta-cargas avariou e não descia nem subia. Do alto de uma escadaria de 63 degraus encaracolados numa espiral estreita, penosa de subir ou descer, mesmo com as mãos livres, com espaço disponível só para um carregador era um sacrifício e um perigo carregar tal fardo. Pedi para abrir a caixa, era disparate levar aquele caixote enorme se fosse possível levar a ferramenta por partes, devidamente condicionada. Não! Não era possível e era proibido abrir o caixote. Sob pena de represália informou-me o Saraiva. Mas se na oficina ía ter de abrir o caixote porque não fazê-lo logo ali? Peguei no pé-de-cabra e o Saraiva saiu a correr a chamar o chefe da oficina. Ouvi o monta-cargas trabalhar. Abri o caixote na mesma. Entre pedaços de esferovite descobri chapas de metal e tijolos. O chefe da oficina chegou e cumprimentou-me, deu-me uma palmada nas costas e convidou-me para uma pausa e um café com a promessa de que mais ninguém da oficina se meteria comigo. Ofereceu-me um cigarro em sinal de comemoração e prontificou-se a que eu o acendesse estendendo-me o isqueiro aceso. Mas porque diabo haveria o Montenegro de me oferecer aquele cigarro branco se ele só fumava Negritas, os cigarros de papel escuro? Puxei uma fumaça e afastei o cigarro de imediato enquanto uma pequena bolsa de fuligem estoirava. O Montenegro desatou a rir apesar da camisa branca que usava ter sido atingida.

Noutros locais outras praxes passaram e delas saí mais ou menos incólume. Todas estas praxes cumpriam o objectivo da minha integração no grupo, no fundo queriam testar a minha atenção, a minha capacidade de avaliar uma situação, a minha autonomia em tomar decisões, a minha capacidade de concentração, o meu altruísmo, a minha entrega ao grupo, o meu carácter no fundo. Todas estas provas colocavam-me perante a minha humildade, mas davam-me escapatória para não cair na humilhação.

sábado, 18 de janeiro de 2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Porque coleccionamos coisas?


 
Artesanato Russo; Brinquedos; Instrumentos musicais de percussão; Fábulas; Madeira de bétula.
Porque coleccionamos coisas não sei. Já houve um tempo em que achei que devia coleccionar coisas, ser como outros que coleccionavam objectos. Vagamente recortei sêlos de envelopes; cheguei a guardar algumas moedas; juntei autocolantes da actividade política; acumulei as saquetas vazias de açúcar que acompanham os cafés... até que cheguei a uma fase da vida em que a logística me impediu de continuar a colecção da altura. Na altura coleccionava canecas.
Mas coleccionar é o quê afinal? É classificar objectos semelhantes? Talvez sim, por exemplo quanto à função: -Brinquedos.
Mas  se tiver mais do que uma? 
Com certeza: Brinquedos; Instrumentos musicais de percussão.
 Mas porque não a origem? 
Origem? Muito bem: Artesanato Russo; Brinquedos; Instrumentos musicais de percussão.
 Mas e a imagética da coisa, o significado associado, a semiótica?
Artesanato Russo; Brinquedos; Instrumentos musicais de percussão; Fábulas.
E o material?
Artesanato Russo; Brinquedos; Instrumentos musicais de percussão; Fábulas; Madeira de bétula.

Talvez seja isso! Talvez o coleccionismo sirva para satisfazer um desejo de conhecimento e fuga, uma vontade de viagem temporal e espacial, uma necessidade de identificação e rastreio do tempo. Mas e quem não colecciona? E os que desistem de coleccionar como eu?

Eu desisti do acto de coleccionar porque me apercebi que todas as colecções são supérfluas. Agora tento não acumular nada, mas cheguei a um ponto em que o que é difícil é não coleccionar. O recolher itens sem que haja percepção disso é algo que só se torna palpável quando falta espaço para outra qualquer coisa. Por exemplo quando quero guardar uns livros e assim os colecciono para depois ler, que fazer aos outros livros? Refiro-me aos que já li, mais os que desisti de ler, mais os que não consegui ler, mais os que já antes tinha para ler depois...
Coleccionar é como comer demais, procura-se preencher um vazio qualquer. Colmatar uma falta primordial de algo que se perdeu ou que se achou possuir. 
Eu que coleccionei, e que coleccionei canecas porque concerteza elas me faltavam, tinha com elas e para além delas uma sede de conhecimento, um desejo de fuga da realidade, e mais do que tudo uma vontade de dar de beber à dor...
Caneca; Artesanato do Alto Alentejo; Chifre de bovino

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Exposição virtual - Plantar a água.

40 Laurus nobilis


Semear bagas de Loureiro, em vasos feitos a partir de garrafões de água de plástico usados que foram deitados fora.
Esperar que nasçam as árvorezinhas.
A germinação já experimentada é de 2 para 10 bagas semeadas.
Fotografar crescimento durante um ano e fazer filme com a sequência fotográfica, o crescimento deve ser aproximadamente de 0,20m radicular por 0,40m de altura vegetativa exposta. 
Com as fotos fazer livro com dimensão de um postal de correio que ao desfolhar provoque a animação. As folhas devem poder ser destacadas para envio postal.
Expor 40 vasos com os loureiros durante 40 dias. O espaço deve ter luz solar e pode ser descoberto e em ar livre.
Na exposição projectar o filme feito com as fotografias.
Fazer o enquadramento histórico da utilização do loureiro desde a antiguidade pela cultura grega e romana.
Entretanto durante a exposição preparar o terreno para a plantação dos Loureiros. O terreno não deve ser encharcado, o loureiro gosta de ter água mas o terreno deve ter boa drenagem: marcar o terreno e abrir covas com 0,80m de profundidade a 3,00m de distância radial entre os centros da próxima cova. Adubar ou estrumar o fundo da cova com 0,10m cobrir com 0,10 m de terra para depois ser colocada a árvore. 
Plantar em Janeiro no Crescente Lunar. Plantar em paralelo duas filas duplas formando alameda (10 loureiros no comprimento 4 loureiros na largura).
Após plantação regar o pé das árvores mesmo que esteja a chover. Só não é necessário se após a plantação chover copiosamente . 
Em todo o processo devem ser envolvidos os menos idosos e os mais idosos, as crianças das escolas e os mais velhos que se disponibilizem.
    
A obra continuará indeterminadamente enquanto existirem os Loureiros e deverá frutificar e ser multiplicada na medida das bagas produzidas que sejam levadas e semeadas. 
A exposição pode e deve ser experimentada com outras árvores:  CEREJEIRAS, CASTANHEIROS, OLIVEIRAS, etc. etc. 
Com outra geometria e outra dimensão, a exposição deverá tomar outra forma quando forem escolhidos árvores diferentes que se misturem e convivam na harmonia de uma paisagem multidimensional, de um ecossistema.
                                                                                                                                

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Escritura



"Pára! Pára de escrever...
 Quem é que percebe essa gatafunhada toda?
 Em vez disso faz mais desses bonecos... tão bonitos.
 Tens tanto jeito."

Foi então que comecei a desenhar com a mão esquerda.




quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

dias não são Dias






Há dias em que na cabeça o mundo ecoa, como um sino. Gritam. Um jogo qualquer de números e de dados, de peões caídos e cavaleiros derrubados.
Todos liquidados.

Há dias em que o mais distraído pingo pode alastrar na mancha perfeita de uma ave em alto vôo. Inatingível.

Outros dias o melhor traço não se pronuncia e a melhor mancha macula o papel ponto a ponto, grão a grão. Sem esperança.