sábado, 23 de julho de 2016

O " Medo"- Reinaldo Ferreira um grande poeta que continua desconhecido. Aqui pela Voz de Amália com a Música de Alain Oulman.

 Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira




Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem lhes digo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!


E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.


Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?


Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Conversas rasteiras.


domingo, 10 de julho de 2016

Palácio dos Inválidos, Paris, França.

 


















A relevante cúpula que permite avistar de longe o conjunto de edifícios que constituem o chamado Palácio dos Inválidos, não revela ao observador distante o que está no seu miolo. Senti a mesma sensação estranha que o forasteiro com fome tem ao avistar um fruto exótico. As dúvidas surgem. Será venenoso? Será comestível? É isto casca ou polpa? É isto caroço ou miolo? 
Já nas imediações do edifício da cúpula, um pátio de hospital abrigava um grupo vestindo os informais pijamas. Seriam aqueles os "Inválidos"? Lá estavam, homens novos e velhos, amputados de membros encostados aos muros solares do mês de Julho, uns fumando o seu cigarro outros apesar do sol confortando-se no seu capote. Prossegui procurando entrada para acesso à cúpula.
Cheguei a outro pátio com uma entrada larga. Pendões anunciavam  exposição de armaduras. Paguei entrada e recebi o primeiro choque de espanto. Por toda a sala e salas seguintes, séculos de guerras e batalhas estavam representados por metálicos casulos desconhecidos. Centenas e centenas de armaduras expunham-se imponentes, elevando-se do chão até 10 metros de altura como crisálidas adormecidas no tempo. Lorigas e catrafactas, cotas de malha de trama diversa, elmos e capacetes, testemunhavam a dureza da guerra a curta distância. Provavam o valor precioso daqueles guerreiros e a necessidade de os proteger para que do estêrco da lama e do sangue emergissem incólumes nas suas armaduras refulgentes erguendo-se nos seus brilhantes cavalos couraçados de escamas e placas, resplandecentes e imortais como deuses. 
A evolução das "armas brancas", de lâminas nobres, estava descrita ali assim como a maneira como essa brancura foi turvando com os séculos à medida que turvavam os ideais dos seus patrocinadores. 
Dos piques e dos chuços, a arte de matar a distância evoluiu para a besta. A besta permitia a bestialidade de um peão matar um cavaleiro couraçado. A potência com que a flecha era disparada permitia furar a armadura e derrubar o nobre cavaleiro imortal. Obra do diabo coisas da bêsta. Um Papa representante de Deus na Terra chegou mesmo a fazer uma proíbição das bestas. Como poderia a bêsta de um camponês matar com a sua besta um cavaleiro, representante do representante de Deus na Terra?
As armas de fogo deram cabo disto tudo e a artilharia como excelência da morte à distância também.
No meu caminho pelo Palácio dos Inválidos lá cheguei ao que para os exércitos é o equivalente das armaduras. As fortalezas com muralhas dispostas em estrêla de maneira a ricochetear os projécteis contra elas disparados. Miniaturas modelo entre outras, de fortalezas planeadas por Vauban, um engenheiro militar que chegou a marechal de França por ter desenhado este tipo de fortalezas resistentes à artilharia. Cá por Portugal temos fortalezas deste tipo em Valença do Minho, Almeida, Elvas,... Que eu saiba o Vauban não andou por cá e sendo verdade que a Fortaleza de Valença começou logo a ser reconstruída em 1640 neste estilo dito Vauban ainda o Vauban era menino, naturalmente andaram por cá outros de França que já saberiam aquilo que tornaria o Vauban famoso. Mas nada de mais, o Museu de Marinha que conheci em Paris desta época em que estive no Palácio dos Inválidos, começava no século XVII. Dois séculos de navegações portuguesas eram obliteradas sem dó nem piedade. De qualquer maneira não tem importância, os portugueses sempre gostaram dos franceses. 
Para não me alongar mais; no miolo da cúpula deste "Hôtel des Invalides" está um sarcófago onde repousa "O Imperador". Esculpido em pedra de quartzito vermelho lindíssimo e granito verde, um túmulo que paradoxalmente consegue ser simples e sumptuoso. Talvez seja esta a definição para o luxo: Simples e sumptuoso. Quando chegamos aos varandins daquele claustro  majestoso só podemos baixar a cabeça quando olhamos para o mausoléu onde Napoleão repousa em cinzas. Uma vez naquele piso que foi escavado para albergar os restos mortais de Napoleão se os quisermos olhar temos de olhar para cima, para o céu. O mesmo Céu de Deus e das Galáxias.
Haveria tanto ainda para contar sobre o Palácio dos Inválidos de Paris: 
Sobre as salas dedicadas à carnificina da Grande Guerra, a Primeira Guerra Mundial. Na altura em que lá estive o esforço português nessa guerra apenas acidentalmente referido, não era minimamente perceptível.
Sobre o cavalo branco embalsamado do "Imperador Napoleão", o imperador teve dezenas de cavalos brancos.
Fico por aqui e nada mais digo sobre os "Inválidos" de Paris. Trouxe de lá uma caneca. Na altura eu praticava o disparate de fazer colecções. Coleccionava canecas. Trouxe a caneca de "Les Invalides" por ter percebido que era um souvenir pouco apetecido para trazer de Paris de França. Trouxe também memórias dessas de coleccionar e classificar. Afinal a cultura é coleccionar e classificar. Enfatizar umas coisas e obliterar outras. Construir Palácios para que a memória perdure e se afirme. Mesmo que sejam palácios inválidos.


 
 

terça-feira, 5 de julho de 2016

As Árvores voam!

Fiz este desenho/pintura, em 2003. Foi para uma exposição que fazia a proposta de reflexão sobre o verdadeiro e o falso como valores absolutos.
A imagem é um símbolo da imaginação. Constitui um desafio face à frase pouco intuitiva "as árvores voam", aparentemente absurda como interrogação e aparentemente falsa como afirmação.
A imagem representa uma semente de tipuana.