domingo, 27 de dezembro de 2020

Republico aqui um texto já antigo de uma memória feliz da tenra idade. Tio Xosé Maria Alves Perez de S. Xosé de Ribarteme a quem chamavam o Tio Espanhol.

 



O Tio Xosé Maria Alves Perez de S. Xosé de Ribarteme (*) a quem chamavam o Tio Espanhol.

Chamavam-lhe o tio espanhol porque era casado com a tia Lucinda e porque tinha vindo de Espanha. Eu teria 3 ou 4 anos e esperava ansiosamente pelo tio espanhol, que aos Domingos entre a hora da primeira missa e a hora de almoço me vinha buscar para irmos passear até ao jardim. O tio espanhol falava de uma maneira estranha e nem sempre era fácil entender o que ele dizia. Lembro-me que não entendi para que serviam umas caixas metálicas com umas aberturas largas como as bocas escancaradas dos marcos de correio. Ele bem tentou. Amachucou a embalagem vazia do maço de cigarros até fazer uma bola e simulou a sua introdução na boca da caixa metálica. Depois para ser mais divertido, comigo às cavalitas afastou-se um passo e deu-me a mim a possibilidade de a lançar para a abertura. Depois de várias tentativas falhadas ele logo à primeira conseguiu acertar e adeus bolinha de papel. - Pronto, já não há! Disse ele pousando-me no chão. - Não, não! Não era para se perder a bolinha. Eu quero de novo a bolinha. Quero atirar outra vez a bolinha. - Impossível recuperar a bola. Lamentou o tio Xosé. Mas estava bem assim. Ali é que era o lugar dela. - Mas o lugar dela Porquê? Perguntava eu e aí vinha a tal dificuldade de compreender o tio Xosé. Sem que eu soubesse, o problema não se devia à maneira de falar do tio espanhol mas sim ao facto de no meu vocabulário a palavra lixo, não existir. Durante alguns anos, a maneira de falar do tio espanhol intrigou-me. Era misterioso... mas na sonoridade das suas palavras, havia lume e água derramada sobre tições rubros em brasa. Havia vento entre a folhagem de árvores altas. Havia o marulhar metálico de um regato passando através de seixos de pederneira. O tio espanhol veio da Galiza e nunca ouvi ninguém referir-se-lhe como galego. A palavra galego tinha ganho uma conotação não dignificante. Devido á falta de esperança que encerrava, o seu significado era mesmo pejorativo. Nesse tempo, galego, mouro de trabalho ou preto da casa africana, eram sinónimos de trabalho forçado. Trabalho árduo no esforço, trabalho excessivo na duração,trabalho rude nas condições em que era prestado, trabalho escravo na retribuição e na falta de esperança em melhores dias. O tio galego a que por voto esperançoso de bom augúrio chamavam tio espanhol trazia-me a liberdade todos os Domingos entre a hora da primeira missa e o almoço. Com ele, as correrias eram autorizadas. Podia arrancar o sufoco da gravata ou do laço do fatinho de domingo. Podia encharcar a camisa em suor. Podia mesmo por-lhe nódoas por deixar pingar o gelado ou entornar o capilé do copo demasiado amplo, para as minhas mãos pequenas. Podia enlamear os sapatos, tingir as calças de xadrez com o verde da relva que ía pisando a cada trambolhão. Com o tio Xosé da Galiza era permitido ser criança. Todos os Domingos antes da hora do almoço a minha mãe ameaçava bater-me pelo meu estado de desalinho geral, pela sujidade entranhada nas minhas mãos e unhas, por algum rasgão na preciosa roupa ou por alguma esfoladela ensanguentada nos meus joelhos. O tio Xosé da Galiza fazia-a prometer que não me bateria e em troca ela sentenciava como castigo, não me deixar sair no próximo Domingo. No entanto no Domingo seguinte bem cedinho, logo após a primeira missa o tio Xosé da Galiza lá estava pedindo por tudo à minha mãe para me deixar sair: - Deixa lá sair o menino!! - Não! Que ele porta-se mal e vem sempre todo sujo. - Quem disse que se portou mal? Ele porta-se bem, deixa-o sair! - Não tem roupa para vestir. A roupa de domingo tive de a lavar e arranjar. Como ficou com nódoas teve de ser de novo lavada e não enxugou! - Mas veste-lhe outra! - Não tem outra roupa. - Mas não é preciso nada especial! - Não?! Hoje é Domingo o que vão dizer, que a mãe é desleixada... - Deixa lá sair o menino que está fechado em casa toda a semana.(...) Eu acabava por saír. O tio Xosé da Galiza apesar da sua vida dífícil e extenuante tinha a bondade de no seu pouco tempo livre encontrar disponibilidadea para me dar a alegria da liberdade. Por isso até hoje sinto-me grato ao tio Xosé Maria Alves Perez, que veio da Galiza de San Xosé de Ribarteme.






(*) San Xosé de Ribarteme - Pontevedra.

É preciso tão pouco para melhorar o dia de alguém. People react to being called Beautiful (Brussels, Belgium)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Adio os dias.

 









Adio os dias.

Separadamente vivo

decepando instantes.

Não sei da impossibilidade.

Quero não sentir o fogo invisível

que me queima a cabeça

como o fogo de árvores antigas,

carbonizando talhadas

numa pira ritual,

lenta e sufocante.

 

Na minha cabeça febril

desenho bem melhor

do que a minha mão sabe.

Assim é feita a vigília

e é por ela que vou só

sabendo nada

e adiando os dias.





quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

sábado, 19 de dezembro de 2020

O Salão da SNBA 2020 e a minha participação. É uma obra de reciclagem de material, Chama-se "artista triangular".

 

É uma montagem com colagens várias de elementos de desenho e de escrita, onde se inclui um azulejo. No azulejo a representação de uma das figuras pré-históricas conhecidas popularmente por "porcas" ou "berrões" tem no seu pedestal a inscrição "O artista tem que Viajar".
Outros elementos remetem para um tempo de confinamento e segregação de culturas e maneiras de estar. Assim aparecem duas figuras com as "samarras" que os sentenciados nos autos-de-fé eram obrigados a usar. Se por ventura a sua vida fosse poupada essa samarra teria de ser usada por longos anos testemunhando a sua particular condição cultural.
As palavras escritas remetem para a situação recente de validação do artista pela sua itinerância entre países e culturas diferentes, um paradoxo com a situação de interdição de deslocação actual e do anterior impedimento de passagem de fronteira por cidadãos de outros países e nações.
Relembro a situação de um escultor amigo ao qual impediram de acompanhar as suas esculturas para uma exposição que fez em Londres. A mercadoria passa mas as pessoas não. A não ser que sejam necessárias para fazer os trabalhos mais mal remunerados, mais duros e extenuantes.


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Restauração da Independência 1 de dezembro de 1640. Quanto a serem 40 os conjurados?... Enfim! Tal como há quarentenas de 8, de 10, e de 15 dias; também há quarentenas de 400, 4000, 40 000 mil, etc. etc. Porque todos sabemos que o povo não é p'ráqui chamado: "Se tem Louros? Arreda que é Fidalgo".

A revolta do 1 de dezembro de 1640. Dizer isto assim é dizer de uma forma singela o que veio a custar 28 anos de guerra efectiva e mais uns quantos de guerra não reconhecida como tal. Guerra em várias frentes do território continental, insular e além-mar. Guerra de que ninguém fala, bem como dos propósitos de um ditador e dos seus sequazes que aqui ao lado, já no séc. XX após uma sanguinária guerra civil queriam invadir Portugal. Esse ditador que oprimiu por 40 anos várias nações torturando e escravizando os vencidos da guerra civil, também queria invadir Portugal desde o tempo de cadete. Aliás a invasão de Portugal foi a sua tese de fim de curso na academia militar que frequentou. Possívelmente ainda hoje a invasão de Portugal faz parte do ideário militar dessas academias.

paisagem com núvem branca


 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O Dia da Filosofia

 Para comemorar o dia da Filosofia afirmo que:

aprendo mais com Rui Nunes do que com Heidegger. Mas a falha é minha.
O Heidegger é irritante para mim e não há anti-histamínico que me valha. A irritação chega à fúria e encher as margens de anotações em contraditório não resolve o problema.
Em tempo cheguei à conclusão, ou alguém me disse, que o retrato histórico de uma época pode ser mais bem caracterizado, melhor descrito e de forma mais precisa num romance do que pelas análises históricas dos académicos licenciados. Posso lembrar-me de Dickens, de Soeiro Pereira Gomes, de Jorge de Sena etc. com a Filosofia passa-se o mesmo. Mas isto sou eu com as minhas regorgitações. Regorgitações de alguém que não sabe nem grego, nem alemão, nem percebe nada de finanças como o Fernando dizia do Cristo.
Deixo aqui um dos livros de Heidegger, vestido com as forras que costumo aplicar aos livros que andam comigo na rua. A forra data do início do "covid" e da altura em que tomei conhecimento do livro do Rui Nunes o Anjo Camponês. Reparei que tem data de 9 de Março.
O "Ser e Tempo do Heidegger" neste momento está na casa de banho, que é sítio arriscado para qualquer livro estar. Não consegui ainda escrever nada ou rabiscar um boneco que seja na sua forra. É que me esqueço que ele lá está e entro sempre com um livro de poesia. A Poesia acompanha-me para todo lado e assim como entra na casa de banho também sai quando eu saio. Para mim a Poesia está para a Filosofia como o romance estará para as súmulas de história escrita. Neste momento prefiro ler Poesia.



terça-feira, 17 de novembro de 2020

louco

começar começar sempre
caminhar caminhar sempre 
lutar lutar sempre 
tentar tentar sempre
falhar sem remédio
com o propósito de falhar
os poetas mortos que 
sabemos vivos 
dói-me a cabeça
já faz três dias sem 
sossêgo, descanso ou trégua 
um líquido espêsso  
bascula agitado 
contra o osso 
a massa incompressível 
é maceta de guerra 
e os ésses são cês de cedilha 
e os jotas são guês

regurgitar

sábado, 14 de novembro de 2020

Quando a dor de cabeça dura três dias.

 


Dura é a dor durante

a noite o sono e o sonho

Onda gigante cresce colossal

bate na orla da rocha craniana

granula, corrói e dilacera

Martelo que repuxa e deforma

Nem resiliência nem elasticidade

Até à rotura.

Fecho os olhos. Vem a vertigem.

Vacilo, imóvel no torvelinho,

a agitação sacode o tonel

de líquido espesso

que centrifuga dentro

da minha cabeça, sem-fim

agarrada na engrenagem

que me impele vou

e vou contra a bigorna

estremeço e o sino vibra

ecoa por léguas.

A forquilha espeta-me nas narinas

o aroma cáustico

fosse antes o perfume fétido

e redondo de fossa nítrica

ou fedor sulfuroso de sulfatara

não este gume infernal

e sinestésico de luz, som e odor.

Um  sofrimento total 

prostração continuada 

à beira do cego desespero

que dura há três dias.




quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles era crítico da arquitetura e do urbanismo que destruía o país e também Lisboa.

Salavisa - Eduardo Salavisa . Recordo-o assim, afável e alegre. Apesar de ter 10 anos mais do que eu, era jovem e solar, bem disposto. Era ele o mais novo dos dois.


Mostrei-lhe os desenhos do livrinho de apontamentos que na altura trazia. Ficou muito entusiasmado e convidou-me para aparecer numa sessão desenho que decorreu dali a uns dias.

Fui, mas o tipo de desenho dos "Urban Sketchers" não é a razão que me motiva a desenhar. Desenho a partir do interior e não do exterior ainda que os tirantes que me impulsionam e sustêm sejam ancorados na realidade que percepciono e reflito.














Aqui num dia fresco de sol e de festa, na Feira do Livro de Lisboa autografando o seu livro:

 "Diários de Viagem - desenhos do quotidiano, 35 autores contemporâneos" da Editora Quimera com o apoio da Fundação Gulbenkian e da Textype.

Cuidado com o senhor vinho.