terça-feira, 30 de março de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
A água numa terra árida.
(...)caminhavam longamente até à nascente e em fila esperavam pacientemente a sua vez para tomarem a água em suas vasilhas. Todo o tipo de recipiente era aproveitado. Viam-se garrafões brancos e amarelos que já tinham sido de lixívia, botijas de dez litros de algum produto detergente e até enormes borrachas de pneus de tractores que colocavam sobre os burros como se fossem odres.
domingo, 21 de março de 2010
ROBERT LONGO em Lisboa
A exposição de Robert Longo em Lisboa está montada de forma a poder passar a emoção duma experiência religiosa.
Os simbólicos Mártires e Santos, são hoje representados pelo ocidentalizado homem comum, de casaco e gravata, aparentemente seguro em seu modo de vida, até que o deus da destruição lhe toque com um projéctil ou um estilhaço fatal.
Somos recebidos com a imagem gigantesca de um políptico em que se faz a representação do esplendor da luz. Nele vêem-se silhuetas numa catedral cristã, o sacerdote iluminado pela luz filtrada do imenso vitral nas suas costas, ergue ao alto um crucifixo, impondo-o a uma multidão que se prolonga e da qual parecemos fazer parte.
Passada esta gigantesca obra entramos na outra sala. Uma figura de bronze à nossa escala integra-nos de novo dentro de um outro cenário. Já não somos mais espectadores. O alvo somos também nós. O instante que a escultura de bronze representa, de um homem a ser alvejado, está congelado no tempo como num "frame" de imagem virtual.
Readquirimos a nossa condição de observadores passivos. O homem a ser alvejado pode ser isolado do fundo e passa a ser um objecto em torno do qual podemos circular. Parecemos libertos de uma realidade em que por momentos podíamos ser confundidos. Afinal não é nada connosco. Como poderia ser connosco?! O tal cenário é um enorme e meticuloso desenho de uma rua em que se amontoam destroços de edifícios e automóveis como sabemos existirem nas cidades da guerra: no Líbano, na ex-Jugoslávia, na Palestina, no Afeganistão, no Iraque...
Na sala de Freud, a santíssima trindade está presente: A Criação, Encarnação e Destruição estão ali como estão na suástica hindu transformada em símbolo nazi colocado sobre a porta de entrada do seu consultório em Viena.
Assim o mistério se vai revelando entre o que é criação e destruição. O escoamento dos fluidos produzido por uma explosão atómica é um enrolamento turbulento de gases num cogumelo que sobe na atmosfera. Este enrolamento é inquietantemente semelhante ao enrolamento das ondas. Os gigantescos cogumelos atómicos e as gigantescas ondas são manifestação duma força incomensurável, suprahumana, de um deus que tanto pode criar como destruir.
Somos confrontados com a nossa insignificância, afinal a boca gigantesca do tubarão dirige-se mesmo a nós. Somos nós como Jonas que vamos ser devorados pelo grande peixe. Vão é o nosso desejo que Niníve seja destruída. A nossa fuga transforma-nos em presa. Na sala final podemos ver a cobertura gótica da grande catedral. Os arcos em ogiva são uma vez mais verosimilhantes à forma da boca escancarada de um grande tubarão.
Numa sala intermédia expõem-se os projectos de Robert Longo. O trabalho em pequena escala forra as paredes em cima e em baixo como numa pequena capela de ex-votos. O rigor com que o projecto foi transposto para a sua gigantesca escala final é um assombro de precisão. Aqui tudo aparece como dentro de um pequeno geôdo em que se cristalizam na pequena escala as possibilidades dos grandes formatos.
Há uma coerência súbita entre um rosto de criança adormecida e um planeta iluminado, o universo encerrado num rosto de criança e um astro flamejante percorrendo o cosmos.
O trabalho de Robert Longo é essencialmente a preto e branco. O preto do carvão, os cinzentos da grafite, o branco do papel. O vermelho aparece nas rosas com a mesma subjectividade que se pode usar para as ligar à vida e à morte.
O terror pela barbárie é o terror que nós próprios inspiramos quando construímos o inferno dentro de nós e na terra alheia. Não poderemos aceitar que o nosso legado para o futuro seja uma contaminante e mortalmente radioactiva lixeira nuclear.
O viandante sem mensagem.
(...)Matei em mim o desejo de narração da viagem!
-Não quero mais contar sobre a montanha mais alta, ou o verde que não existe nesta flora. Que coisa trago e que coisa roubo, aos guardiães da memória quando lhes dou notícia que o tempo da primeira mãe é muito anterior à era da que têm como sua? Como poderíeis continuar se vos provasse ser a casa dos deuses, uma montanha que fosse a maior houvésseis visto, nada mais que uma pequena serra? Como poderíeis valorizar vossa memória antiga se a soubésseis curta perante o que outros escreveram sobre o que faziam tantas eras antes de vos saberdes como povo? Então que dizer ainda do outro verde mais resplandecente?
-Não necessito mais contar nem a viagem, nem a deriva, nem a chegada. A direcção somos nós e por isso verdadeiramente não chegamos nunca a parte alguma se não nos encontrarmos como destino. Eu que julgava ter conquistado a distância e o horizonte trazendo a lembrança da luz que outros nunca viram, reparo agora, não ter sido mais arguto, nem melhor oráculo, do que a mulher cega que risca na areia o voo dos pássaros. Tal como eles voam, andamos nós sem sentido. Não sabem eles que toda a liberdade do seu voo é como um risco numa poça de areia. Porque assim é! Também não sabemos nós que numa poça de areia cabe toda a força e toda a esperança e toda a glória.
-Não se apazigua em mim a inquietação por saber que o sofrimento dos outros não é o meu. Não se atenua a dor que me dilacera por se alhearem dela os que quotidianamente a sentem. Da mesma maneira ao ser humano que dorme no chão sem agasalho, não lhe faz menos falta a cama macia onde me deito.
-A narração de tudo o que vi poderá trazer-me a insígnia de altanaria mas então não vos mereceria nem o retorno, pois que o sofrimento é igual em todo o lado e dele frutifica o embotamento dos sentidos e da alma.(...)
quarta-feira, 17 de março de 2010
quarta-feira, 10 de março de 2010
Lá na montanha
A falta de ar enche-me o peito_____
Dói-me a cabeça para além de mim__________
Não há luz que explique esta sombra_____________
nem olhos que a vejam____
a transpiração sem calor______
a noite fria_____
O vento sangra como faca____
os nós, os dedos, e os sons murmurados__
A solidão é não adormecer com frio___
A solidão é adormecer com o frio.
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