sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Porca de Torre de Dona Chama.


Quando os velhos se calam.
O homem contou que ía passar temporadas à terra natal da mulher. Ela era de Torre de Dona Chama, e ele adorava o lugar.
-Torre de Dona Chama! Já lá estive tem uma Porca magnífica.
-Uma porca?! -exclamou o homem interrogativo.
- Sim, aquela escultura pré-histórica, chamam-lhes berrões ou berroas, e são de cultos antigos de fertilidade...
-Não conheço lá nenhuma porca! 
-É aquela escultura que está junto ao Pelourinho... -tentava eu explicar.
-Não é lá! -Retorquiu o homem peremptório.
-Está a fazer confusão com Murça. Em Murça é que há a Porca de Murça.
-Eu não tenho a certeza que seja uma porca, há quem defenda que são javalis, lobos ou lobas, que podem ser até ursos...
-Não é lá! Não conheço nem nunca ouvi falar e olhe que eu vou lá todos os anos e conheço a terra como a palma das minhas mãos.

Calei-me. O homem apresentava tal propriedade e idoneidade no seu discurso. Afinal conhecia a terra como as suas mãos. Quem conseguiria eu convencer com o meu olhar forasteiro perante o testemunho daquele homem. É certo que eu tinha feito um desvio de 30 km só para mostrar a Porca de Torre de Dona Chama ao Tavira que tivera uma namorada que era de lá e por quem ele ainda nutria afecto. Mas isso de nada me valia. Senti que em meus lábios aflorava um sorriso.
Lembrei-me então da teimosia da minha juventude impertinente e cheia de certezas quando tentava impor a minha causa aos mais velhos. Lembrei-me de ver  a ternura nascer no seu rosto. Nascia como o amanhecer, com um sorriso doce e sereno, cheio de brandura e compreensão.




quarta-feira, 29 de julho de 2015

O enólogo e o Vinho.

Recentemente fui a uma adega. Havia em prova três vinhos. Sobre aquele que nos tinham preparado para gostarmos discursou um enólogo. Depois de dizer várias evidências banais no lingo dos enólogos e de ter escolhido para aplaudir o menos bom dos três vinhos da mesa, (também do melhor já não havia mais garrafas) saíu para esfumaçar um cigarrinho. 
Então eu pensei cá para comigo e para com o meu copinho de tinto bom: Enólogo que fuma é como perfumista com sinusite ou cozinheira constipada.
À cozinheira a maleita logo passa. À perfumista resta a aposentação por doença profissional. Mas ao enólogo!?... Ao enólogo que fume?... O enólogo que fume mesmo que deixe de fumar é tipo que continuará aquém do vinho que se lhe apresentar pela frente. O enólogo que fuma dedicou-se ao vinho como se podia ter dedicado à salsicharia, para ele é tudo carne moída. O negócio dele é vender, não importa o quê. É por isso que tantas castas portuguesas únicas são ignoradas pelos enólogos que preferem as castas sonantes francesas. O seu ofício é vender um tipo de vinho que agrade ao cliente de supermercado que tem dinheiro para comprar vinho caro mas que não gosta de vinho.


A propósito disto no outro dia estavam a passar na TV um programa em que um senhor e uma senhora se deslocavam de carro entre vinhas, produtores de vinho, adegas e caves, provando vinhos, recolhendo informação dos enólogos.
Ao senhor foi atribuído o papel de orador de sapiência. À senhora foi atribuído o papel de commère e tudo isto culminou com a prova de um espumante em que se convidava a senhora a distinguir entre 3 garrafas e identificar qual o doce, o meio-seco, e o bruto. Isto debaixo do olhar examinador do enólogo e do olhar boçal e paternalista do compère. Malfadada misoginia a que tanto obrigas. As mulheres estão preparadas, é da sua fisiologia, com a competência de terem bebés, amamentarem e cuidarem de bebés por isso a menos que estejam constipadas ou fumem uns cigarritos é delas a melhor capacidade olfactiva e gustativa. Afinal a evolução dependeu delas fazerem a escolha certa, de tomarem a decisão evitando o que era tóxico, saberem o que era mau ou bom para alimentarem a sua prole. Por isso pedir a uma mulher: "Ó gaja diz lá qual é qué doce qual é qué menos doce e qual é que não tem açúcar?" Não é infantil! É estúpido! E é estúpido porque pretende a nossa anuência em querermos ser estupidificados.
Reparei que tanto o senhor como a senhora apareciam a conduzir a viatura enquanto se deslocavam entre destinos, fosse há uns anos e seria impossível apresentar a senhora a conduzir, era sabido que as senhoras não dirigiam automóveis, isso era coisa de homens.

Nesse mesmo momento televisivo a parelha de "actores", com outro enólogo, ao ar livre no cenário de uma bela vinha, provavam vinho. O compère passava mais o tempo a espetar o nariz no copo do que a saboreá-lo e a bebê-lo o enólogo palrava enquanto à commère cabia o papel passivo de ouvir. Mas o mais incompreensível para mim foi que se servissem abundantemente e depois de um pequeno trago tudo o que restava no copo fosse despejado como lixo para um recipiente. Para mim o vinho não deixa de ser um alimento por isso é como se beliscassem um pão para o provarem e depois o atirassem para o lixo. É claro que isto são reparos meus, reparos de gente pobre diria alguém que encontrei um dia.

É curioso que nestes programas nunca os protagonistas se atrevem a dizer o que seria normal: Gosto! Não gosto tanto! Este arde-me nas entranhas este escorre como água.

Também não dizem que se deve provar o vinho quando se abre a garrafa e depois de uma hora e depois de meio-dia e no outro dia. 

O vinho é um produto cultural, e em cultura a singularidade tende a ser compensadora. Ao contrário da força militar, a força cultural depende menos do número de meios envolvidos e da supremacia tecnológica. A cultura é como uma levedura, tem a capacidade de transformar a massa.
Falando de singularidades: Como Portugal, a Geórgia é uma singularidade. É bem possível que da região da actual Geórgia, a outra Ibéria da Antiguidade, nos tenham trazido castas de que hoje somos depositários. As rotas marítimas desse tempo são ainda mal conhecidas. Mas sabemos por exemplo que os barcos rabelos são idênticos aos barcos que aparecem em vasos gregos para ilustrar episódios da navegação de Ulisses. 
Evidências arqueológicas recentes dataram a produção de vinho na Geórgia há uns remotos 8000 anos. Em comum com a Geórgia temos uma variedade assombrosa de castas: lá perto de 500 cá mais de 300. Isto foi possível devido a um certo isolamento regional que a orografia e a falta de vias de comunicação protegeram. Não existe em mais lado nenhum territórios tão pequenos com tão elevado número de castas, é uma riqueza incalculável e pelos vistos imaterial, que estamos a menosprezar e a deixar que seja perdida a troco do lucro financeiro imediato. Temos também em comum com a Geórgia uma tradição antiga de guardar o vinho em grandes talhas. Esta tradição é anterior ao armazenamento do vinho em barricas de madeira que foi introduzido quando se tornou necessário o transporte marítimo de grandes quantidades de vinho a longa distância, por mares agitados, em vasilhas mais robustas, mais leves e mais manobráveis que as ânforas. Lá como cá manteve-se a tradição de construir grandes talhas. Estas grandes olas, construídas por oleiros especialistas , cujas dimensões obrigavam que o barro fosse cozido no próprio local da sua instalação, permitem que o vinho não tenha o gosto da madeira. No nosso tempo os produtores tendem a guardar o vinho em barricas de madeira nova para que rapidamente estas temperem o vinho e ele possa sair para o mercado(híper) com o sabor que os consumidores estão sendo amestrados a gostar. Os produtores que não têm capacidade logística ou financeira para ter pipas, compram aparas de madeira e usam-nas para o mesmo efeito. 
Na Geórgia como cá o vinho é uma bebida social não se bebe para perder a consciência, bebe-se para ganhar consciência: a individual; a dos companheiros, aqueles com quem partilhamos o pão; a dos camaradas, aqueles com quem partilhamos a sesta antes de retomar o trabalho. Na Geórgia como cá mantém-se viva uma tradição semelhante de canto coral à volta do vinho e da refeição.
Não sei porque é que os produtores de vinho não estabelecem contactos com os seus congéneres georgianos para trocarem saber e experiências das suas práticas, descobrirem o que é comum e bom. Talvez a distância geográfica e a língua sejam um problema. Não sei porque é que a Universidade e os especialistas académicos  não sentem curiosidade por estas questões do domínio da ampelografia e pela identificação genética das castas. Muito havia de se descobrir sobre as migrações das videiras pelo mundo antes da memória que a História guarda. Se calhar tudo isto já está a ser feito e é só ignorância minha.





Entretanto convém não esquecer: 
O bom vinho é aquele que me sabe bem. 
Nenhum vinho vale mais do que um litro de bom azeite (neste momento varia entre 4 e 5 euros).

Outros conselhos vindos do Inferno que está cheio deles: 
Se gostares de vinho isso não impede que gostes de velharias, de antiguidades ou mesmo de jóias raras. Porém o preço elevado e a raridade não são condimentos que auxiliem o sabor de um vinho.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Conversas picantes.






.............................................................................................................................................................

domingo, 26 de julho de 2015

Melina Mercouri - Crianças do porto do Pireu




Aπ' το παράθυρό μου στέλνω
ένα δύο και τρία και τέσσερα φιλιά
που φτάνουν στο λιμάνι
ένα και δύο και τρία και τέσσερα πουλιά


Πώς ήθελα να είχα ένα και δύο
και τρία και τέσσερα παιδιά
που σαν θα μεγαλώσουν όλα
θα γίνουν λεβέντες για χάρη του Πειραιά


Όσο κι αν ψάξω, δεν βρίσκω άλλο λιμάνι
τρελή να με 'χει κάνει, όσο τον Πειραιά
Που όταν βραδιάζει, τραγούδια μ' αραδιάζει
και τις πενιές του αλλάζει, γεμίζει από παιδιά


Aπό την πόρτα μου σαν βγω
δεν υπάρχει κανείς που να μην τον αγαπώ
και σαν το βράδυ κοιμηθώ, ξέρω πως
ξέρω πως, πως θα τον ονειρευτώ


Πετράδια βάζω στο λαιμό, και μια χά-
και μια χά-, και μια χάντρα φυλακτό
γιατί τα βράδια καρτερώ, στο λιμάνι σαν βγω
κάποιον άγνωστο να βρω


Όσο κι αν ψάξω...




De onde a minha janela alcança
envio um, dois, três, quatro beijos
até ao porto do Pireu, assim vão as horas
um, dois, três, quatro passarinhos a voar
Ó como gostava de ter
uma, duas, três, quatro crianças
que quando crescessem
fossem a valentia e a Graça do Pireu
Por muito que procure não encontro noutro porto
a folia que a noite do Pireu me dá
cheia de canções que retiram a pobreza
dos olhos vivos das crianças
Ao sair de casa sinto
que não há ninguém  que não o ame
e à noite ao adormecer sonho
e sei que como no sonho
O fio que trago ao pescoço
uma conta é talismã de esperança 
que um dia encontrarei meu amor 
desconhecido no porto do Pireu 
Tradução livre da canção de Mános Hadjidákis

 O porto do Pireu é o porto de Atenas. No séc. V a. C. foi construído e ligado à cidade por um recinto de muralhas de protecção que a norte e a sul cobriam uma distância de cerca de 12 km. O porto do Pireu era o maior do mediterrâneo e albergava a frota grega que dominava as rotas marítimas da antiguidade.
O seu declínio foi gradual até ao séc XIX, mas continua a ser o porto da Grécia, aquele que faz a ligação marítima entre as muitas ilhas gregas. 
No imaginário grego ele é a ligação da Grécia com o Mundo, ao mesmo tempo um local de reunião e de despedida. 
Os portugueses que sempre partiram das serras para os vales, do interior para o litoral, e de todo o lado para o mundo percebem bem o que é a nostalgia destes locais como o porto do Pireu, de tal forma que refinaram e alargaram o conceito numa palavra particular: Saudade!






quinta-feira, 23 de julho de 2015

O silêncio



Apercebeu-se que ao ouvir, ou ao ver, boa arte isso provocava nele uma vontade insuprimível de expressão prática. Se não houvesse ninguém com quem falar, e raramente havia, ou ía desenhar ou ía escrever. 


Batatas.


segunda-feira, 13 de julho de 2015

Uma Taberna como uma Casa e esta Casa como uma Taberna.

Pelas tabernas passam todo o tipo de pessoas de bem. Pelo menos assim espera o taberneiro. Que venham e vão com a bênção de Dionysos.



 O taberneiro Diogo Rosa: Arquitecto, Professor, Fotógrafo, Escultor, Curador... Numa Palavra o Homem da Rosa, pendurando alguns desenhos que fiz na sua casa entre inumeráveis petiscos com que os amigos forneceram a Taberna.

 
Das Tabernas que eu conheci, as que mais se demoraram na minha memória foram as que simultâneamente eram Carvoarias e Casas de Pasto. Algumas eram também  Mercearias ou Vendas. Essas Vendas foram tão importantes que deram nome a localidades remotas que cresceram em seu redor: Venda da Esperança, Venda de Galizes, Venda das Raparigas... Eram lojas de pequena escala que anteciparam os super e os hipermercados e como eles já vendiam de tudo.

Este desenho foi feito em " Uma Taberna como uma Casa e esta Casa como uma Taberna", a pensar nesses locais de pausa, abrigo e convívio que eram e ainda são as derradeiras tabernas.
























O desenho refere várias profissões e ocupações dos frequentadores da taberna. Quase todas elas são masculinas porque a taberna é um dos locais de frequência masculina. Não que fôsse local interdito às mulheres, era sim um local não aconselhavel à sua permanência se estivessem desacompanhadas. As mulheres solitárias não eram bem vistas sem a presença tutorial masculina do pai, do marido ou de um irmão mais velho, sendo a única excepção a que era feita à família do taberneiro. A reprovação social paternalista justificava-se com a intenção de proteger a honra da mulher.

Este outro ilustra um passarinheiro fantástico. 
Os passarinheiros capturavam pássaros na natureza e à sua maneira cuidavam deles com desvêlo. Vinham depois à taberna colocar gaiolas com pássaros na esperança de estes poderem ser comprados pelos clientes da casa ou pelo próprio taberneiro. Era uso cobrirem as gaiolas com panos brancos que deixando passar o ar e a luz, impediam a visão das aves de uma gaiola para outra. Segundo os passarinheiros isso estimulava o canto das aves que tentavam cantar mais e mais forte que o rival que estava em outra gaiola.
























No tempo antigo da Ditadura em que não havia Liberdade e tudo era proíbido, sujeito a multa ou até prisão (*) pairavam pelas tabernas uns sujeitos que liam jornais durante horas:  Eram tipos simpáticos, folgazões falavam alto e bom som
atiçavam conversas, provocavam opiniões, criavam discussões. Eram colaboradores do regime, informadores, agentes da PIDE a polícia política à paisana, como então se dizia. 


(*)  (Saiu agora um livro que fala um pouco disso: "Proíbido" de António Costa Santos da editora Guerra e Paz)

 

domingo, 12 de julho de 2015

Festa do Espírito Santo de Tomar ou Festa dos Tabuleiros.

As que erguem os Tabuleiros do Pão. As que carregam a Fraternidade do Espírito Santo.

Fotografia de Beatriz Cunha

A Festa do Espírito Santo de Tomar.

O Baile.

    Fotografia de Beatriz Cunha

Um Tabuleiro da anterior festa do Espírito Santo realizada há quatro anos em Tomar.


Tomar. Festa do Espírito Santo. A rodilha de levar o tabuleiro à cabeça.


Tomar e os seus Tabuleiros.


Adicionar legenda





É uma festa do Espírito Santo ainda que agora lhe chamem dos tabuleiros.
É uma festa de rapaz encontra rapariga e por isso é uma festa de fertilidade.
É uma festa da abundância de alimento e da sua partilha.















No cerne é uma festa pagã com tantas camadas quantos  os anéis de uma árvore milenar. 
Pode-se dizer que a tradição se mantém. Mantém-se pela traição, pelo sincretismo do velho e do novo.
Amanhã será o dia de encerramento da festa e talvez o verdadeiro dia de festa:
O dia da partilha da carne sacrificial. A Pesa.


segunda-feira, 6 de julho de 2015

Emilia Kabakov fala sobre as maquetes e mostra as maquetes para a exposição "Monumenta" 2014.


Emilia Kabakov 2014 visita guiada à exposição "Monumenta" do Grand Palais em Paris.


Ilya e Emilia Kabakov.

Eu gosto do Ilya e da Emilia Kabakov!



Talvez devesse hoje falar da Grécia ou do Magnífico Varoufakis. 
Mas à Boa Maneira Portuguesa, agora tão caída no esquecimento, prefiro alertar para um perigo eminente e deixar uma centelha de esperança:  o perigo de perdermos a água como direito universal; a esperança na arte e na educação que podem transformar a nossa maneira de entender a vida, de conviver com os outros nossos semelhantes e toda a Natureza, com mais harmonia e serenidade.

Querem privatizar a Água. Querem roubar a Água às populações, privatizando-a em nome de empresas como a Nestlé, para depois a venderem.

...ao verem tantos que se saciavam, envenenaram o poço e morreram de sede com os demais.