Recentemente fui a uma adega. Havia em prova
três vinhos. Sobre aquele que nos tinham preparado para gostarmos discursou um
enólogo. Depois de dizer várias evidências banais no lingo dos enólogos e de
ter escolhido para aplaudir o menos bom dos três vinhos da mesa, (também do
melhor já não havia mais garrafas) saíu para esfumaçar um cigarrinho.
Então eu pensei cá para comigo e para com o
meu copinho de tinto bom: Enólogo que fuma é como perfumista com sinusite ou
cozinheira constipada.
À cozinheira a maleita logo passa. À perfumista resta a aposentação por doença profissional. Mas ao enólogo!?... Ao
enólogo que fume?... O enólogo que fume mesmo que deixe de fumar é tipo que
continuará aquém do vinho que se lhe apresentar pela frente. O enólogo que fuma dedicou-se ao vinho como se podia ter dedicado à salsicharia, para ele é tudo carne moída. O negócio dele
é vender, não importa o quê. É por isso que tantas castas portuguesas
únicas são ignoradas pelos enólogos que preferem as castas sonantes francesas. O seu ofício é
vender um tipo de vinho que agrade ao cliente de supermercado que tem dinheiro
para comprar vinho caro mas que não gosta de vinho.
A propósito disto no outro dia estavam a
passar na TV um programa em que um senhor e uma senhora se deslocavam de carro
entre vinhas, produtores de vinho, adegas e caves, provando vinhos, recolhendo
informação dos enólogos.
Ao senhor foi atribuído o papel de orador de
sapiência. À senhora foi atribuído o papel de commère e tudo isto culminou com
a prova de um espumante em que se convidava a senhora a distinguir entre 3
garrafas e identificar qual o doce, o meio-seco, e o bruto. Isto debaixo do
olhar examinador do enólogo e do olhar boçal e paternalista do compère.
Malfadada misoginia a que tanto obrigas. As mulheres estão preparadas, é da sua
fisiologia, com a competência de terem bebés, amamentarem e cuidarem de bebés por
isso a menos que estejam constipadas ou fumem uns cigarritos é delas a melhor
capacidade olfactiva e gustativa. Afinal a evolução dependeu delas fazerem a
escolha certa, de tomarem a decisão evitando o que era tóxico, saberem o que era
mau ou bom para alimentarem a sua prole. Por isso pedir a uma mulher: "Ó
gaja diz lá qual é qué doce qual é qué menos doce e qual é que não tem
açúcar?" Não é infantil! É estúpido! E é estúpido porque pretende a nossa
anuência em querermos ser estupidificados.
Reparei que tanto o senhor como a senhora
apareciam a conduzir a viatura enquanto se deslocavam entre destinos, fosse há
uns anos e seria impossível apresentar a senhora a conduzir, era sabido que as
senhoras não dirigiam automóveis, isso era coisa de homens.
Nesse mesmo momento televisivo a parelha de
"actores", com outro enólogo, ao ar livre no cenário de uma bela
vinha, provavam vinho. O compère passava mais o tempo a espetar o nariz no copo
do que a saboreá-lo e a bebê-lo o enólogo palrava enquanto à commère cabia o
papel passivo de ouvir. Mas o mais incompreensível para mim foi que se
servissem abundantemente e depois de um pequeno trago tudo o que restava no
copo fosse despejado como lixo para um recipiente. Para mim o vinho não deixa
de ser um alimento por isso é como se beliscassem um pão para o provarem e
depois o atirassem para o lixo. É claro que isto são reparos meus, reparos de
gente pobre diria alguém que encontrei um dia.
É curioso que nestes programas nunca os
protagonistas se atrevem a dizer o que seria normal: Gosto! Não gosto tanto!
Este arde-me nas entranhas este escorre como água.
Também não dizem que se deve provar o vinho
quando se abre a garrafa e depois de uma hora e depois de meio-dia e no outro
dia.
O vinho é um produto cultural, e em cultura a singularidade tende a ser compensadora. Ao contrário da força militar, a força cultural depende menos do número de meios envolvidos e da supremacia tecnológica. A cultura é como uma levedura, tem a capacidade de transformar a massa.
Falando de singularidades: Como Portugal, a Geórgia é uma singularidade. É bem possível
que da região da actual Geórgia, a outra Ibéria da Antiguidade, nos tenham
trazido castas de que hoje somos depositários. As rotas marítimas desse tempo são ainda mal conhecidas. Mas sabemos por exemplo que os barcos rabelos são
idênticos aos barcos que aparecem em vasos gregos para ilustrar episódios da
navegação de Ulisses.
Evidências arqueológicas recentes dataram a produção de vinho na
Geórgia há uns remotos 8000 anos. Em comum com a Geórgia temos uma variedade
assombrosa de castas: lá perto de 500 cá mais de 300. Isto foi possível devido
a um certo isolamento regional que a orografia e a falta de vias de comunicação
protegeram. Não existe em mais lado nenhum territórios tão pequenos com tão elevado número de castas, é uma
riqueza incalculável e pelos vistos imaterial, que estamos a menosprezar e a
deixar que seja perdida a troco do lucro financeiro imediato. Temos também em
comum com a Geórgia uma tradição antiga de guardar o vinho em grandes talhas. Esta tradição é anterior ao armazenamento do vinho em barricas
de madeira que foi introduzido quando se tornou necessário o transporte
marítimo de grandes quantidades de vinho a longa distância, por mares agitados,
em vasilhas mais robustas, mais leves e mais manobráveis que as ânforas. Lá como cá manteve-se a
tradição de construir grandes talhas. Estas grandes olas, construídas por oleiros
especialistas , cujas dimensões obrigavam que o barro fosse cozido no próprio
local da sua instalação, permitem que o vinho não tenha o gosto da madeira. No
nosso tempo os produtores tendem a guardar o vinho em barricas de madeira nova
para que rapidamente estas temperem o vinho e ele possa sair para o
mercado(híper) com o sabor que os consumidores estão sendo amestrados a gostar.
Os produtores que não têm capacidade logística ou financeira para ter pipas, compram aparas
de madeira e usam-nas para o mesmo efeito.
Na Geórgia como cá o vinho é uma
bebida social não se bebe para perder a consciência, bebe-se para ganhar
consciência: a individual; a dos companheiros, aqueles com quem partilhamos o pão;
a dos camaradas, aqueles com quem partilhamos a sesta antes de retomar o trabalho. Na Geórgia como cá mantém-se viva uma tradição semelhante de canto coral à volta do vinho e da refeição.
Não sei porque é que os produtores de vinho não estabelecem contactos com os seus congéneres georgianos
para trocarem saber e experiências das suas práticas, descobrirem o que é comum e bom. Talvez a distância geográfica e a língua sejam um problema. Não sei porque é que a Universidade e os especialistas académicos não sentem
curiosidade por estas questões do domínio da ampelografia e pela identificação
genética das castas. Muito havia de se descobrir sobre as migrações das videiras
pelo mundo antes da memória que a História guarda. Se calhar tudo isto já está a ser feito e é só ignorância minha.
Entretanto convém não esquecer:
O bom vinho é aquele que me sabe bem.
Nenhum vinho vale mais do que
um litro de bom azeite (neste momento varia entre 4 e 5 euros).
Outros conselhos
vindos do Inferno que está cheio deles:
Se gostares de vinho isso não impede que gostes de velharias, de antiguidades ou mesmo de jóias raras. Porém o preço elevado e a raridade não são condimentos que auxiliem o sabor de um vinho.
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