quarta-feira, 29 de julho de 2015

O enólogo e o Vinho.

Recentemente fui a uma adega. Havia em prova três vinhos. Sobre aquele que nos tinham preparado para gostarmos discursou um enólogo. Depois de dizer várias evidências banais no lingo dos enólogos e de ter escolhido para aplaudir o menos bom dos três vinhos da mesa, (também do melhor já não havia mais garrafas) saíu para esfumaçar um cigarrinho. 
Então eu pensei cá para comigo e para com o meu copinho de tinto bom: Enólogo que fuma é como perfumista com sinusite ou cozinheira constipada.
À cozinheira a maleita logo passa. À perfumista resta a aposentação por doença profissional. Mas ao enólogo!?... Ao enólogo que fume?... O enólogo que fume mesmo que deixe de fumar é tipo que continuará aquém do vinho que se lhe apresentar pela frente. O enólogo que fuma dedicou-se ao vinho como se podia ter dedicado à salsicharia, para ele é tudo carne moída. O negócio dele é vender, não importa o quê. É por isso que tantas castas portuguesas únicas são ignoradas pelos enólogos que preferem as castas sonantes francesas. O seu ofício é vender um tipo de vinho que agrade ao cliente de supermercado que tem dinheiro para comprar vinho caro mas que não gosta de vinho.


A propósito disto no outro dia estavam a passar na TV um programa em que um senhor e uma senhora se deslocavam de carro entre vinhas, produtores de vinho, adegas e caves, provando vinhos, recolhendo informação dos enólogos.
Ao senhor foi atribuído o papel de orador de sapiência. À senhora foi atribuído o papel de commère e tudo isto culminou com a prova de um espumante em que se convidava a senhora a distinguir entre 3 garrafas e identificar qual o doce, o meio-seco, e o bruto. Isto debaixo do olhar examinador do enólogo e do olhar boçal e paternalista do compère. Malfadada misoginia a que tanto obrigas. As mulheres estão preparadas, é da sua fisiologia, com a competência de terem bebés, amamentarem e cuidarem de bebés por isso a menos que estejam constipadas ou fumem uns cigarritos é delas a melhor capacidade olfactiva e gustativa. Afinal a evolução dependeu delas fazerem a escolha certa, de tomarem a decisão evitando o que era tóxico, saberem o que era mau ou bom para alimentarem a sua prole. Por isso pedir a uma mulher: "Ó gaja diz lá qual é qué doce qual é qué menos doce e qual é que não tem açúcar?" Não é infantil! É estúpido! E é estúpido porque pretende a nossa anuência em querermos ser estupidificados.
Reparei que tanto o senhor como a senhora apareciam a conduzir a viatura enquanto se deslocavam entre destinos, fosse há uns anos e seria impossível apresentar a senhora a conduzir, era sabido que as senhoras não dirigiam automóveis, isso era coisa de homens.

Nesse mesmo momento televisivo a parelha de "actores", com outro enólogo, ao ar livre no cenário de uma bela vinha, provavam vinho. O compère passava mais o tempo a espetar o nariz no copo do que a saboreá-lo e a bebê-lo o enólogo palrava enquanto à commère cabia o papel passivo de ouvir. Mas o mais incompreensível para mim foi que se servissem abundantemente e depois de um pequeno trago tudo o que restava no copo fosse despejado como lixo para um recipiente. Para mim o vinho não deixa de ser um alimento por isso é como se beliscassem um pão para o provarem e depois o atirassem para o lixo. É claro que isto são reparos meus, reparos de gente pobre diria alguém que encontrei um dia.

É curioso que nestes programas nunca os protagonistas se atrevem a dizer o que seria normal: Gosto! Não gosto tanto! Este arde-me nas entranhas este escorre como água.

Também não dizem que se deve provar o vinho quando se abre a garrafa e depois de uma hora e depois de meio-dia e no outro dia. 

O vinho é um produto cultural, e em cultura a singularidade tende a ser compensadora. Ao contrário da força militar, a força cultural depende menos do número de meios envolvidos e da supremacia tecnológica. A cultura é como uma levedura, tem a capacidade de transformar a massa.
Falando de singularidades: Como Portugal, a Geórgia é uma singularidade. É bem possível que da região da actual Geórgia, a outra Ibéria da Antiguidade, nos tenham trazido castas de que hoje somos depositários. As rotas marítimas desse tempo são ainda mal conhecidas. Mas sabemos por exemplo que os barcos rabelos são idênticos aos barcos que aparecem em vasos gregos para ilustrar episódios da navegação de Ulisses. 
Evidências arqueológicas recentes dataram a produção de vinho na Geórgia há uns remotos 8000 anos. Em comum com a Geórgia temos uma variedade assombrosa de castas: lá perto de 500 cá mais de 300. Isto foi possível devido a um certo isolamento regional que a orografia e a falta de vias de comunicação protegeram. Não existe em mais lado nenhum territórios tão pequenos com tão elevado número de castas, é uma riqueza incalculável e pelos vistos imaterial, que estamos a menosprezar e a deixar que seja perdida a troco do lucro financeiro imediato. Temos também em comum com a Geórgia uma tradição antiga de guardar o vinho em grandes talhas. Esta tradição é anterior ao armazenamento do vinho em barricas de madeira que foi introduzido quando se tornou necessário o transporte marítimo de grandes quantidades de vinho a longa distância, por mares agitados, em vasilhas mais robustas, mais leves e mais manobráveis que as ânforas. Lá como cá manteve-se a tradição de construir grandes talhas. Estas grandes olas, construídas por oleiros especialistas , cujas dimensões obrigavam que o barro fosse cozido no próprio local da sua instalação, permitem que o vinho não tenha o gosto da madeira. No nosso tempo os produtores tendem a guardar o vinho em barricas de madeira nova para que rapidamente estas temperem o vinho e ele possa sair para o mercado(híper) com o sabor que os consumidores estão sendo amestrados a gostar. Os produtores que não têm capacidade logística ou financeira para ter pipas, compram aparas de madeira e usam-nas para o mesmo efeito. 
Na Geórgia como cá o vinho é uma bebida social não se bebe para perder a consciência, bebe-se para ganhar consciência: a individual; a dos companheiros, aqueles com quem partilhamos o pão; a dos camaradas, aqueles com quem partilhamos a sesta antes de retomar o trabalho. Na Geórgia como cá mantém-se viva uma tradição semelhante de canto coral à volta do vinho e da refeição.
Não sei porque é que os produtores de vinho não estabelecem contactos com os seus congéneres georgianos para trocarem saber e experiências das suas práticas, descobrirem o que é comum e bom. Talvez a distância geográfica e a língua sejam um problema. Não sei porque é que a Universidade e os especialistas académicos  não sentem curiosidade por estas questões do domínio da ampelografia e pela identificação genética das castas. Muito havia de se descobrir sobre as migrações das videiras pelo mundo antes da memória que a História guarda. Se calhar tudo isto já está a ser feito e é só ignorância minha.





Entretanto convém não esquecer: 
O bom vinho é aquele que me sabe bem. 
Nenhum vinho vale mais do que um litro de bom azeite (neste momento varia entre 4 e 5 euros).

Outros conselhos vindos do Inferno que está cheio deles: 
Se gostares de vinho isso não impede que gostes de velharias, de antiguidades ou mesmo de jóias raras. Porém o preço elevado e a raridade não são condimentos que auxiliem o sabor de um vinho.

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