Começavam aos pares e percorriam porta a porta as ruas do
bairro e da vizinhança até que no saco de pano houvesse quantia bastante que
lhes permitisse parar. Quem não podia contribuir juntava-se à marcha. Nas
alturas mais difíceis adivinhava-se a magreza do saco pelo tamanho da romaria.
Com o saco traziam o atestado da veracidade da sua causa: a fotografia do
beneficiário se a houvesse, um papel assinado, uma conta para pagar, um objecto
reconhecível…
Era assim que se encontrava dinheiro para pagar o funeral
dos que morriam crianças, dos que na força da vida não tinham tido tempo para o
juntar, dos que trabalhando toda a vida nunca tinham conseguido pôr de lado a
quantia necessária para o féretro.
Quando a causa não encontrava eco na generosidade dos
vizinhos, os mais notáveis do bairro encabeçavam a demanda para que a grandeza
da sua humildade persuadisse os mais hesitantes. A Dona Mariquinhas mãe de 12
filhos que ajudara a nascer grande parte da miudagem do bairro; o senhor Almerindo
carpinteiro que reparava os telhados que metiam água e construíra todas as
barracas que no bairro pareciam casas… gente assim, que tinha mais que fazer
quando aparecia era porque além da causa ser piedosa e justa, era também uma
afirmação de união e compromisso na sobrevivência da própria comunidade. E
então os vizinhos mais desprevenidos chegavam a pedir que outros adiantassem por
eles a contribuição, por mínima que fosse, mas que eles não dispunham. Foi assim
que a Micas pôde ser operada aos olhos, foi assim que o Cara-Linda conseguiu
dar o salto para França na véspera da polícia vir à procura dele para o prender.
Os tempos mudam e veio o tempo em que senhoras bem
agasalhadas, de latinha de biscoitos de manteiga pendurada ao pescoço, partiam em
missão para além do adro da sua igreja. Desciam às ruas e em praças e mercados que
não frequentavam por serem locais que reservavam para as suas serviçais, aventuravam-se
no benfazejo acto de aceitar espórtula.
A solidariedade e o altruísmo são características dos mais sábios. Baseiam-se num conhecimento empírico que lhes é transmitido como
herança cultural ou deriva de uma iniciação prática a que sobreviveram e não querem ver repetida.
O abuso e usurpação destes valores tão preciosos levaram a que
se tornasse banal a resposta:“-Para esse Peditório já dei!”
Mais do que isso, tornaram todos os peditórios uma coisa obscura, um investimento de duvidoso retorno, sem proveito ou obra para o bem comum.
Os tempos em permanente mudança e revolução chegaram aonde
estamos. O peditório mascarou-se. Nasceu uma coisa inteiramente nova: O ”Crowdfunding”.
Por isso, às
vezes a troco de algo que verdadeiramente não preciso como um alfinete na
lapela ou um papelinho autocolante no peito, em vez de dizer "Para esse peditório
já dei!", nada digo e a troco de valores que herdei, opto por ficar com um consolo na alma.
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