quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ginjinha, o licôr de ginja.

Nesta altura do ano quando a cereja chega ao fim aparecem as ginjas que são os frutos da Primavera serôdia. 
Ou porque me oferecem a aguardente ou porque me oferecem as ginjas uma coisa sempre leva à outra e a comunhão das duas é a única coisa que sei fazer; licôr de ginja.
Não tem nada de complicado, aprendi do meu pai aí por volta dos seis anos. É a idade ideal porque não se tem interesse pelas bebidas alcoólicas e tudo parece magia. Os frutos ora vermelhos translúcidos ora muito escuros como sangue venoso possibilitam logo diferentes tipos de licor. A aguardente deve ser boa, derramada na concha da mão não deve cheirar a fumo sinal que no alambique deixaram o bagaço queimar. Uma vez esfregada entre as palmas das mãos não deve cheirar a pôdre o que seria sinal que era proveniente da queima de vinhos voltos ou estragados. A gradação alcoólica deverá ser entre os 22 e os 40 por cento do volume.

Lavam-se as ginjas retiram-se os pedúnculos e deixam-se secar sobre um pano branco, liso e limpo. O peso das ginjas deverá ser igual ao de açúcar e por cada quilo de ginjas tem de se gastar um litro de aguardente e um pau de canela. 
Mais tarde e seguindo a tradição inerente à tradição, ou seja acrescentando um ponto ao que nos legaram; à  receita do meu pai acrescentei, um anís-estrelado e um cravinho da Índia.
A partir daqui são possíveis variações e acrescento de substâncias a gosto e a desgosto até ao limite da mixórdia.
Quando a aguardente é do ano e é muito agressiva às vezes com 60 graus, a ginja só deverá beber-se ao fim de dois anos. É o tempo para que na prática a madeira do caroço da ginja entre no processo de maturação da aguardente, a harmonize e a suavize na bôca. Há quem introduza uma lenho de madeira do cerne de carvalho, do tamanho de um pau de canela para que o processo seja mais rápido. A ginja recolhe a côr e o aroma da madeira perdendo a aspereza num ano.
Há quem prefira o açúcar mascavado ou o açúcar amarelo que é o meu caso, mas o açúcar branco refinado serve igualmente. No final o açúcar entra na mistura para adoçar e nesse sentido o refinado branco seria o mais indicado. Aliás era esse o que o meu pai usava; mas naquele tempo não havia açúcar refinado nas mercearias, o açúcar era sempre "amarelo" ou escuro ou claro, mas sempre amarelo. Ao açúcar branco chamávamos pilé e esse era o chamado açúcar purificado, vendia-se na farmácia. A não ser que alguém que trabalhásse na fábrica de refinação o arranjásse à socapa uma vez que era todo para exportar e o que havia era tão caro que só para preparados especiais ou coisa rara de igual valor como era a ginja do meu pai.

 Para terminar: A Ginjinha só está boa para ser bebida quando as ginjas assentarem no fundo. Quando se introduzem na garrafa elas vão ao fundo depois flutuam no líquido e depois gradualmente vão assentando uma a uma. Este prazo demora entre três meses e um ano. Tudo depende da húmidade dos frutos, da sua boa maturação, da quantidade de açúcar e do teor alcoólico da aguardente, ou seja de densidades. Há quem ponha as garrafas ao Sol, desconheço o efeito dos raios ultra-violeta e infravermelhos, mas parece-me que a radiação solar só serve para apressar a dissolução do açúcar e vaporizar algum álcool, tornando a maceração menos agressiva. Há quem agite ou revire as garrafas mas isso também só serve para forçar a dissolução do açúcar. O que é facto é que a Ginjinha quanto mais tempo esperar mais saborosa fica. Se puderem esperar.
A propósito, eu gosto muito de ginja, mas raramente bebo e acabo por oferecer quase toda a pessoas de quem gosto. De quem gosto mais do que da ginja.


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