Há muitos anos autorizaram a venda de pão fora das padarias e dos depósitos de pão. Depois autorizaram o fabrico de pão em qualquer local. Apesar dos protestos dos padeiros e dos que gostavam de pão, em nome da modernidade e dos novos tempos económicos, da facilidade e da comodidade de acesso do consumidor ao produto assim foi feito.
Hoje ainda é assim.
Quem nunca provou o pão desse tempo dificilmente poderá imaginar o que lhe foi retirado. O que foi impossibilitado de experimentar.
Talvez em alguma padaria artesanal de Lisboa ainda se encontre o perfume, o sabor, e a textura do pão antigo que era alimento e bálsamo. Mas eu não sei de nenhuma. Não sei mesmo se o conhecimento dos mestres padeiros teve continuidade nos seus aprendizes. Sem o saberem os afortunados alunos que com eles contactaram poderiam ter sido depositários de um saber e uma prática ancestrais. Mas tudo o que é antigo pertence a um tempo aparentemente lento, arcaico nos métodos, sem a eficiência da tecnologia de produção centralizada e em quantidade. Tornaram-se obsoletos os procedimentos, as ferramentas, os materiais; pior de tudo tornou-se obsoleta a expectativa de quem se alimente de pão. Agora transformado em cliente ou ainda pior em consumidor. O consumidor de pão foi gradualmente condicionado a gostar de outra coisa. Um pouco à maneira das crianças que deixaram de gostar de batatas fritas descascadas e cortadas imediatamente antes da fritura e que agora preferem as que são congeladas.
Por elas, as crianças, ou por razões obscuras começaram a rarear os restaurantes que servem as batatas descascadas e cortadas de fresco e abundam os que as usam congeladas.
Não tenho nada a ver com a Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Não tenho nada a ver com os ateliês, com as oficinas de formação. É pão do qual não sou comensal. Mas à semelhança do pão antigo que antes havia em Lisboa e agora foi perdido para origens distantes como Mafra ou Torres Vedras ou localidades mais remotas como Beja ou Seia, seria muito triste que alguém tivesse de ir para a periferia para poder fazer a sua formação. É que as periferias criam-se pela expulsão dos residentes e pela destruição da Cidade. As periferias não são onde hoje vivemos mas onde amanhã viveremos se nos deixarmos condenar a uma infantilização da tomada de decisão.
Quem vai para a Slade School e estranha o desafogo das oficinas, a prática séria e rigorosa do ofício, a par com a liberdade e a responsabilidade total, até mesmo de não aproveitar o tempo de não fazer nada; no mínimo sofre o choque de quem vem da periferia e não está habituado a ser tratado com o respeito profissional que lhe é devido. Já foi assim antes no tempo em que Manuel Botelho por lá passou, continua a ser assim hoje, neste tempo em que Catarina Garcia de lá acabou de chegar.
O que venho sabendo do que se planeia para as oficinas da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa soa-me a troar de canhão, a explosão de bombardeamento. Não sei se da montureira de entulho tudo o que de lá se aproveite sejam refugiados para alimentar outras terras.
Ignoro se o filão de uma cafetaria por mais necessária que ela possa parecer, não produzirá uma ignominiosa escombreira; se esse filão será suficientemente rico para poder comprar fora o que agora cá se produz. Sabemos de outras épocas que não há filão por mais rico que seja que possa alimentar a extravagância do desperdício.
2 comentários:
Este país não ama a arte! Não a cuida como devia...
Beijos, Luís. :)
Somos envergonhados. Temos problemas de afirmação, baixa auto-estima, recalcamentos vários. Vivemos durante séculos numa oligarquia de fidalgos ignorantes com a bênção dos senhores da cruz. A nossa cultura antiga foi ridicularizada pela chamada urbanidade, pela civilidade burguesa. No início do séc.XX os Dinamarqueses estavam em semelhante nível de desenvolvimento. Possivelmente lá os corruptos ou eram menos ou foram expurgados.
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