quinta-feira, 27 de setembro de 2018

O artista como Hierofante - Why Modern Art is Trash





Apesar de tudo o artista é o hierofante, é o revelador do sagrado, e cumpre essa função através da arte que pratica.  É ele que diz o que é arte e o que não é. E basta isso. Não falo do que é boa arte ou do que é arte de má qualidade. Isso é outro assunto. A diferença entre a água potável e a água benta é que uma recolhe em si um pensamento mágico feito através de um ritual simbólico. Não está aqui em discussão a qualidade da água mas sim a sua necessidade para um determinado fim.
O que digo é que: O que o artista disser que é arte, é de facto arte. A Arte que hoje assim chamamos como tal, com letra maiúscula, a Arte dos Museus antes de ser Arte dos Museus foi tudo menos isso. A mais remota presença daquilo que hoje chamamos arte conservou-se por estar encerrada em grutas onde resistiu ao desgaste do tempo e dos iconoclastas. Não sabemos se seria para os seus criadores arte no sentido que hoje atribuímos ao conceito já de si tão fluido e subjectivo.
Renoir que pintou até mesmo quando a artrite lhe deformou as mãos ao ponto de os seus dedos já não poderem apanhar o pincel obrigou-se a continuar a sua arte. Pedia que lhe atassem os pincéis às mãos para poder continuar e afinal o seu sonho era que o seu trabalho fosse digno da Arte dos Museus.
À semelhança de quase todos os artistas no final da sua vida enfrentou o problema derradeiro. Que destino dar a todo o trabalho que tinha feito e que estava ainda em seu poder sem ter sido vendido. Quis oferecer a sua arte ao Louvre. O Museu ficou com alguma coisa mas recusou a maioria. Para os responsáveis do Louvre a sua arte ainda não tinha atingido outro requisito necessário à Arte que está nos Museus, a sua raridade.
Talvez então a questão não seja saber o que é arte mas sim saber o que é ser artista. Apesar de tudo repito: o artista é o hierofante, é o revelador do sagrado, e cumpre essa função através da arte que pratica.  É ele que diz o que é arte e o que não é. E basta isso. 

Há indivíduos que sem hesitar reconhecemos como artistas e que no entanto viveram toda a sua vida atormentados por essa dúvida identitária sobre o que é ser artista. Muitos se perderam nessa dor insuportável, na depressão e no sofrimento destruindo-se lentamente ou num só gesto. Alguns destruíram a sua arte ou pediram a outros que o fizessem.



Neste eixo, helicoidal, sem fim que paradoxalmente se move sem ir a  lado nenhum reside a transformação. A arte é todo um sistema de referência  muitas vezes alheio ao artista e ao próprio objecto artístico. Um signo, um sinal uma placa indicativa pode ser arte. 
Assim acontece com a representação de um salmão na gruta conhecida por Abrigo do Peixe na Gorge d'Enfer, Les Eyzies-de-Tayac, Dordogne, França. Um belo salmão em relevo, detalhado ao ponto de serem reconhecíveis as transformações morfológicas do seu período final de vida após subir o rio para desovar. 
O salmão com cerca de um metro de comprimento foi esculpido em  relevo na rocha calcária e calcula-se que terá cerca de vinte cinco mil anos. O salmão cumpre uma das qualidades do objecto artístico, é raro. Parece que só são conhecidos cerca de três dezenas de representações que exibem peixes. Artista ou artistas que o tenham esculpido caíram no anonimato, mas deles ficou a expressão a vontade de comunicar com aquele sinal; indicar que quando o Sol no seu trajecto anual o ilumina é chegada a época do salmão e que é quando a Constelação de Peixes adquire o seu alinhamento no céu.
O peixe em questão está rodeado por uma linha de perfurações que indicam a tentativa da sua extracção do bloco de rocha onde foi gravado. Se tal tivesse sido conseguido hoje aquele pedaço de rocha estaria morto na vitrina de algum museu supostamente a salvo de bandidos e traficantes de antiguidades sem nunca se ter percebido que ele é tanto uma obra de arte quanto os entalhes feitos a canivete numa lançadeira de tear que um enamorado ofereceu à menina da sua predilecção.
A arte vale porque tem um valor simbólico que vai para além da perícia do seu executante, do resultado final do objecto executado e da sua raridade.





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