quarta-feira, 22 de abril de 2009
Dicionário do Judaísmo Português.
Amanhã vai ser lançado um "Dicionário de Judaísmo Português" no Salão Nobre do Teatro D. Maria II. Não sei se será simbólica a localização do lançamento, pois naquela parte da cidade foram sacrificados muitos judeus e cristãos novos em épocas diferentes mas pelo mesmo assassino: O racismo. Ainda me lembro quando por volta dos meus treze ou catorze anos ter lido um livro do Leon Uris chamado "Exodus". Nessa altura tive imensa curiosidade sobre a presença judaica em Portugal. Procurei mas não havia nada que um miúdo daquela idade soubesse encontrar, tirando um livro do S. Malka "Judeus na Península Ibérica". Comprei o livro e fui lendo outras coisas que fui encontrando. O panorama hoje é diferente, mas só agora aparece um dicionário deste tipo. Fico contente. É importante que nós portugueses reconheçamos o outro que há em nós próprios. Os Judeus constituíam cerca de 10% da população portuguesa quando no início do séc.XVI foram expulsos de Portugal. Se é verdade que os mais abastados partiram para os Países Baixos, para a Inglaterra para o Norte de África para a Grécia e mesmo para a Turquia, os mais pobres converteram-se forçadamente ao cristianismo, ou fingiram que o faziam. Séculos passados, e no seguimento do 25 de Abril de 1974, data a partir da qual foi possível haver liberdade religiosa e de culto em Portugal veio-se a descobrir que havia cidadãos que professavam a religião judaica de forma clandestina e longe do olhar público. A comunidade maior e mais bem organizada era a dos Judeus de Belmonte. Praticantes de um Judaísmo sem Rabi, passado por tradição oral, em que a circuncisão não era praticada. Estes cripto-judeus apelidados de Marranos mantiveram a sua tradição religiosa inteira nos seus alicerces.
Há que dizer que a comunidade Cristã de Belmonte não desconhecia a existência das práticas religiosas dos seus vizinhos Judeus, mas o assunto era tabu. Mesmo após a publicitação da comunidade judaica os não judeus tinham grande renitência em falar do assunto com forasteiros, e esquivavam-se às perguntas com os "não sei", "não vi", "não são contas do meu Rosário".
Não posso deixar de pensar nas aldeias remotas que existem em Portugal. Sítios que encaixados nas serras em locais inóspitos só acessíveis por caminhos estreitos e difíceis. Aldeias em que o sol bate poucas horas por dia e que a distância de poucas centenas de metros se tornam invisíveis na paisagem. Poucas existem habitadas ainda hoje. A maioria viu construírem estradas que acabaram com o seu isolamento. Outras foram abandonadas uma vez que deixou de haver razão para a vida em condições tão duras. A este nosso passado judaico que faz parte da cultura portuguesa não é estranho o nosso messianismo aqui chamado sebastianismo, mais prosaicamente não são estranhos os costumes dos meus avós. A maneira como tratavam com dignidade os animais que sacrificavam para a alimentação; o sacrifício em si e a sangria. Das preferências por animais de casco fendido cabras e ovelhas em vez de animais de casco inteiro ou de unha. Das limpezas da Primavera, etc. etc.
A tradição dos enchidos sem carne de porco ou mesmo sem carne: as alheiras com aves e miolo de pão, as farinheiras com farinha e algum tipo de gordura, os enchidos com arroz como as morcelas alguns muito pouco fumados como se fossem feitos à pressa para mostrar e depois para não se estragarem tivessem de ser comidos rápidamente como os maranhos, etc. etc.
Não posso deixar de repetir o que um dos arqueólogos da equipa do ilustre Cláudio Torres me disse nas escavações que se fizeram, e continuam fazendo em Mértola no Alentejo à beira do Guadiana: As tomadas do poder, nomeadamente através do poder militar por diversos povos diferentes nem sempre significaram a expulsão dos antecessores. Ao contrário do que até há pouco se julgava, a falta de sinais de destruição em Mértola mostra que as diferentes comunidades souberam coabitar e prosperar em conjunto.
Faço votos (ou como se diz em Português e em Árabe, Oxalá) Deus Queira, que esse espírito de tolerância e convivência que existiu em Mértola e noutros locais, possa existir de novo na Palestina entre povos diferentes, como já existiu também na Corte de Afonso X, O Sábio. Nesse tempo as Cantigas de S.Maria em Louvor de Maria Mãe de Jesus eram cantadas por cantores muçulmanos numa língua considerada mais poética e veneranda a que hoje chamamos Galaico-Português, esses cantores eram acompanhados por músicos judeus e cristãos. Todos juntos e em harmonia, deliciavam ouvintes de muitas proveniências e de diferente crença religiosa. Deliciados nos sentimos ainda hoje quando as ouvimos e mais impressionados ficamos ao sabermos dessa comunhão.
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1 comentário:
ostei muitissimo da leitura do seu blog.
a minha familia é de origem sefaradita portuguesa/holandesa,
aqui no brasil....
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