quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Nicholas Oulman -"Com que voz"

O fado que hoje conhecemos cantado por tanta gente mais nova não seria possível sem a refundação que um grande compositor levou a cabo durante a década de sessenta e setenta do século passado. Chamou-se e chama-se Alain Oulman pelo menos enquanto continuarmos a cantar as suas músicas pelas ruas. O filme que é um documentário precioso, mostra como Alain Oulman soube perceber uma intérprete como Amália, e entender como ela poderia cantar fados com maior amplitude melódica e de maior complexidade harmónica. Como seria possível com a melodia certa fazê-la cantar grandes poemas, de grandes poetas. No filme, Amália diz que estava à espera daqueles fados. Alain Oulman podia ter sido só o compositor que conhecemos e não teria sido pouco, mas foi compositor enquanto trabalhava diáriamente gerindo os negócios da sua família, e não só. Foi dramaturgo, encenador, director de actores...e tantas outras coisas até acabar por ser editor na "Calmann-Levy" pertença de um tio seu. Foi editor de Catherine Clement, Patricia Highsmith, Amos Oz. Um editor como poucos foram, de maneira gentil e sem forçar ou impôr a sua vontade, a verdade é que foi capaz de criar as condições para que os seus escritores dessem o melhor de si próprios.------------------------------------------------------------------- Nicholas Oulman é filho de Alain Oulman, a produção do filme não lhe foi facilitada por isso, não teve apoios nem das estações de televisão nem das entidades estatais que gerem fundos para possibilitar a realização cinematográfica. Argumentavam que não tinha currículo. Na verdade Nicholas, em Portugal e no estrangeiro, sempre trabalhou em cinema em curtas metragens realizando, coproduzindo etc. Finalmente Paulo Sousa foi o produtor principal que assegurou a possibilidade do filme ter sido feito.------------------------------------------------------------------------ O filme é belíssimo, começa com a imagem deslizando ao longo do interior do piano que Alain tinha na sua casa de Paris e que hoje se encontra no Museu do Fado. Familiares e vários entrevistados vão-nos contando o que guardam de Alain e daqueles dias difíceis. Os testemunhos dão-nos a imagem indirecta de Alain. As fotos em detrimento da imagem em movimento aumentam a necessidade de ver aquela pessoa de que ás vezes se ouve a voz, por fim Alain aparece. Ao piano vai tocando para Amália uma música que compôs e canta na sua voz profunda quase em surdina. Canta um poema de Cecília Meireles: "Soledad". A música é lindíssima. Amália canta também recebendo o poema e a música entendendo cada nota, cada sílaba. O poema parece feito à medida daquela música de tal forma com ela se casa. Entre compositor e cantora percebe-se uma admiração mútua, uma reverência e respeito perto da veneração. Sendo pares e geniais ambos preferem dar a primazia ao outro... ... ... ... ... ... ... O filme acaba. Enquanto passa a ficha técnica, continuamos o ouvir as vozes de Alain Oulman e Amália Rodrigues cantarolando e trauteando a música. Sem as suas presenças que as imagens tornavam quase físicas começamos a sentir a profunda saudade da sua ausência. Uma dor fina sobe do peito aos olhos, e estes ficam molhados. Nicholas Oulman conseguiu nas imagens do seu filme materializar a Saudade, e o Fado. Nicholas Oulman esteve na apresentação do filme e pareceu-me um ser especial, modesto e delicado, que recusa o vedetismo fácil. A sua presença física e a sua atitude faz lembrar o seu pai, mas também Amália. O poema de Cecília Meireles nunca foi gravado por Amália. Parece que direitos autorais não deixaram até hoje que o poema se recolha naquela melodia de beleza indescritível. Era uma justiça que faríamos à memória da poeta, do compositor e de Amália. Era uma forma de tributo ao filme e a Nicholas Oulman.

2 comentários:

Constança Lucas disse...

Podes falar com a malta do blog http://amigosdobotanico.blogspot.com/

talvez eles sibam onde possas plantar o abacateiro :)

eu gosto destas novas levas de fadistas

abraços

Luis Filipe Gomes disse...

Obrigado Constança.
Eu também gosto muito desses fadistas. Sabes que agora há uma rádio chamada "Amália" que passa só fado e outra música relacionada. Acho que a podes escutar neste endereço:
http://www.amalia.fm/?page_id=20