Quando se faz um presépio presta-se homenagem aos pastores e a um mundo rural que se distancia de nós no tempo. Presta-se também homenagem a vários ofícios que fizeram parte de uma maneira menos perdulária de estar na vida. Nesse mundo ainda existem ferreiros, sapateiros e padeiros que cozem o pão num forno aquecido com lenha. Os moínhos usam a água que corre e o vento que sopra para moer o grão do cereal da lezíria ou da veiga ali ao lado; a água na fonte ou no poço é potável. A vida é árdua mas tem um ritmo mais humano e os ciclos de desperdício e alienação são menos desgastantes. Esse tempo de parcimónia e até de privação foi para muitos também um tempo de carência extrema, por isso é encarado com uma nostalgia amarga em que o que valeu foi a alegria da juventude e a vitalidade que a caracteriza. Há, apesar disso, muitas lições a tirar quando estiverem saradas as feridas da miséria, entender-se-á então que muito do que era feito, obedecia a uma ética correcta, e a uma racionalidade que evitava o desperdício. A solidariedade e a fraternidade eram praticadas intuitivamente, a compaixão era um sentimento privado e não um gesto de exibição pública. Prestava-se auxílio em vez de se dar esmola. A esmola era coisa urbana, atributo de porta de saída de igreja. Com a transformação de Portugal país rural em Portugal país urbano a porta de saída de igreja está por todo lado e a esmola também.
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