Houve um tempo em que os
móveis eram feitos com as árvores. Os ebanistas aproveitavam a madeira de seres
lenhosos magníficos cujo porte prodigioso remontava ao esquecimento de
sucessivas gerações de silvicultores. Atribuía-lhes essa imemorabilidade a
dimensão fantástica com que se faz a antiguidade. Os cortes que talhavam os
lenhos e os preparavam para a secagem ao longo de décadas e a selecção entre a
exposição dos anéis do cerne ao correr da fibra ou a topo, constituíam um
conhecimento profundo e demorado do que é a natureza e de que forma se pode
transformar o registo da passagem do tempo em arte e beleza.
Depois veio a modernidade
e a correria. A moda que vê na natureza e no passar das estações uma
possibilidade comercial de renovação contínua, aparentemente a baixo preço. Mas
o mercado que descarta tem sempre esse problema de não reutilizar, de não
transformar de não reabsorver. Os móveis passaram a ser feitos de serradura,
aglomerada com cola. Revestidos com matérias compósitas plásticas. Passaram a
ser feitos para durarem uma estação, um ano, no máximo um lustre enquanto a
tendência do seu desenho se puder manter.
Os móveis hoje são feitos
por mãos anónimas cuja habilidade foi desbaratada. A medida justa da
sensibilidade foi entregue a movimentos robóticos de máquinas controladas por
equações matemáticas complexas desenvolvidas por alguém que vive longe da
madeira, das árvores e da natureza.
Hoje cada vez mais se
deixa menos para as gerações vindouras. E os móveis já não se lhes podem deixar
como herança. Não se pode partilhar com eles a memória: Naquela mesinha foi
onde o bisavô ensinou a avó a ler. Naquele berço nasceram a avó, as tias, a mãe…
Estas cadeiras vieram da casa dos outros avós bem como o guarda-vestidos e a
cama…
Não deixamos os móveis
mas não deixamos também as árvores da antiguidade. A Oliveira que já era velha no
tempo dos franceses de Massena e era tão vasta que dava 700 Kg de azeitona. O Dragoeiro
que talvez tivesse sido trazido na nau do próprio Vasco da Gama. O Castanheiro
que esteve na presença de Dom Dinis e da Rainha Santa. O Carvalho que era do
tempo dos Mouros e de Afonso Henriques.
Hoje os móveis são feitos
de serradura e as florestas são destruídas para fazer serradura e óleos para
queimar nos motores.
1 comentário:
Tão pobres, os tempos de hoje! Pobres de princípios, pobres de cultura, pobres de alegria...
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