Dizem ser da tradição anglo-saxónica o costume de escavar abóboras abrindo-lhes buracos nos locais que numa caveira seriam os dos olhos boca e nariz. Talvez sim, mas a primeira vez que tomei contacto com esse tipo artesanal de partida medonha foi na Beira Alta. Nessa altura o "marketing" ainda cá não tinha adquirido esse nome e nas aldeias da freguesia não havia mais que uma televisão que emitia a preto e branco, apenas um canal, durante poucas horas por dia no Café Central do Povo de Crouceão.
O Carlos e a Regina decidiram ensinar-me o que era a Côca e ao mesmo tempo pregar um susto à Carriça. A Senhora Maria como respeitosamente a chamavam, era de todos conhecida como Carriça, talvez por ser pequenina, graciosa e muito rápida como o passarinho do mesmo nome. Assim trouxeram em segredo uma abóbora do Chão da Moenda e com a navalha galega o Carlos foi fazendo a anatomia com incisões expressivas. Na abertura da bocarra da abóbora implantou pedaços de cana-da-índia rachados ao meio. Uma trepanação por uma cercadura alargada do pedúnculo da cucurbita permitiu a aplicação de um coto de sêbo aceso. O trabalho ficou completo quando espetaram a abóbora num fogueiro do carro de bois com a altura de um homem. O breu da noite alimentava a luminosidade bruxuleante da vela de sêbo mas não o suficiente para que o fio de embrulho que tinham atado na albarda da porta se tornásse visível. Puxaram por ele espaçadamente e as pancadas cadenciadas levantavam a voz da Maria Carriça no interior da casa. Novas pancadas, nova pergunta " Quem é?... Quem é que diga, se vier por bem!..."
A porta não se abriu e a Côca, terror da gente pequena como eu, permaneceu ali na forma tremeluzente de uma projecção feita pela caveira de uma abóbora fantasmagórica que tinha o tamanho da escuridão.
3 comentários:
Aqui na minha aldeia não se fazem estas caretas nas abóboras e pessoalmente detesto esse tipo de coisas.
Não consigo conviver com este tipo de caveiras iluminadas...........
Ah, que lembrança interessante esta sua, meu querido amigo Luís!
Gosto tanto da narração de lembranças!
E tudo que é folclórico me encanta.
Linda postagem, esta sua!
Eu precisava de algo assim, depois do desastre das urnas...
Grande abraço, querido!
tambem não gosto de nenhuma brincadeira e nem de filme que me meta medos....
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