Há muitos anos num livro que li sobre os ciganos, o autor referia-se à transformação rápida que a vida nómada estava a sofrer e à perda de valores que essa mudança trazia até nos mais pequenos detalhes como era o caso da comunicação entre viajantes que trilhavam uma mesma rota.
Dizia ele que o facto dos ciganos utilizarem automóveis em vez de veículos de tracção animal além de mudar os seus locais de passagem, alterava a possibilidade de leitura de um sinal que antes era passível de ser observado em aproximação lenta numa carroça, mas que deixava de ser notado a 60 quilómetros por hora tornando-se completamente invisível a maior velocidade.
Os sinais eram delicados. Para nós "gajos", não ciganos, passariam despercebidos nas bermas das estradas. Eram feitos com conjuntos de pedras dispostas de forma precisa; ramos de arbustos entrelaçados de determinada maneira; plantas colhidas e dispostas em ramalhetes que variavam consoante a mensagem a transmitir, etc.
Esta velocidade de deslocação aumentou hoje ainda mais, mas não afecta apenas os nómadas, afecta-nos a todos.
No tempo em que eu li o livro, a cultura ocidental desconfiava dos nómadas mas paradoxalmente impedia a sua sedentarização.
Em Portugal só com a mudança do regime de ditadura, em 25 de Abril de 1974, é que cai a lei que impedia que os nómadas permanecessem por mais de 24 horas no mesmo local.
Hoje aposta-se na mobilidade geográfica dos grupos sociais. Incentivam-se os jovens a viajar, a ir estudar para fora. Quanto menores forem as raízes mais fácil a transplantação. Também se incentiva a mobilidade dos que não têm emprego fixo; mas também dos que o tendo são forçados a trabalhar para a mesma entidade patronal noutra localidade às vezes numa cidade diferente, noutro país, noutro continente. Mas de novo parece haver uma contradição; incentiva-se a mobilidade física mas impede-se a mobilidade económica. A instrução e a formação académica foram durante algum tempo a via suficiente para a ascensão social. O Doutor era automáticamente alguém a quem se devia deferência e segregação positiva.
O aumento do número de Doutores a cada ano trouxe para o chamado mercado de trabalho um número elevado de pessoas com expectativas elevadas e acarretou problemas na sua integração. A grande capacidade de trabalho da juventude o desejo de criação e inovação que é próprio da sua idade estão sendo desbaratados na desmoralização e na expulsão do país. A mobilidade é o que lhes oferecem como futuro.
A extinção de muitas actividades industriais exportadoras e o menosprezo associado ao trabalho industrial e artesanal a associação depreciativa entre salário baixo e trabalho manual fez com que em vez de se poderem exportar produtos se exportassem pessoas. É o chamado mercado de trabalho e a sua mobilidade, com a agravante de que se obriga os menos endinheirados a ter pouco mais que uma trouxa de roupa e uns quantos números de identificação para controlo financeiro e policial, a estarem disponíneis para partir.
A humanidade tem no seu passado remoto uma memória de itinerância mais por necessidade de sobrevivência do que por desejo de aventura. Conheci em tempos um investigador português que tentava descobrir precisamente essas diferenças entre a aventura dos indivíduos mais afoitos, a mobilidade de partes do grupo e a migração massiva do grupo. Irónicamente esse investigador, licenciado em psicologia, não obtivera condições em Portugal para realizar o seu estudo e teve de o fazer na Cidade do México.
"Traditions Occultes des Gitans" Pierre Derlon.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Santos da casa não fazem milagres que o diga Santo António um verdadeiro Doutor da Igreja que em Portugal continua a consertar bilhas e a resolver zangas entre namorados. A mobilidade dos portugueses não é coisa nova. Antes saíam sem saber ler nem como se dizia em português determinadas palavras alheias ao seu mundo rural onde eram desconhecidas as férias e as reformas, onde não havia casa de banho nem edifícios altos com porteira. O número de emigrantes hoje chegou aos números da década de sessenta.
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