Representando uma espécie de transparência, como numa radiografia, desenhei de memória a figura de um gigantone, de maneira a ser possível ver no interior o seu carregador.
A primeira vez que vi estas figuras, foi em criança num desfile carnavalesco. Era muito pequeno e não terei percebido logo que aquela aterradora figura gigante era uma paródia que tinha no seu interior uma pessoa que a transportava.
Foi com espanto que vi surgir uma abertura até aí coberta por um véu negro, e através dela aparecer um olhar escrutinador. Até hoje tenho viva essa sensação de surpresa e de alguma forma revivo a mesma emoção sempre que ocorre alguma revelação e percebo alguma coisa nova. Há vezes que descubro o que todos sabem, outras o que muitos sabem. Mas há outras que descubro o que ainda ninguém tinha percebido.
Agora durante um daqueles períodos em que estava a olhar para o quadradinho em branco sem assunto para pintar, desfolhei o livro de apontamentos onde tinha desenhado inicialmente aqueles bonecos e retomei o olhar desenhando no azulejo com o pincel.
A chacota não resistiu à sua segunda queima e cindiu a minha intenção de retomar esse olhar.
O olhar que pintei no azulejo não é o olhar de quem olha para fora. Talvez seja antes o olhar de quem no exterior toma consciência do que está no âmago daquilo que teme. Talvez seja o olhar da perda de inocência.
1 comentário:
Há sempre um olhar nas memórias vivas
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