domingo, 7 de janeiro de 2018

"Affineur" - O afinador de queijos.

 Ontem ouvi uma jovem estrêla da gastronomia de sucesso falar dos afinadores de queijo. Da maravilha que é comer um queijo afinado por comparação ao mesmo queijo comprado no supermercado sem passar pelas mãos do afinador.
 Afinador dos Alpes, de preferência francês ou suíço, ou outra coisa qualquer que não português porque em Portugal não existe tal coisa. Ficou subentendido.
Então eu lembrei-me da avó beirôca, no quarto virado a norte, que tinha a rede mosquiteira na janela e a porta fechada à chave, procedendo ao seu ritual diário de virar os queijos; de lhes mudar as cintas; de os lavar com a água fria de Inverno, as mãos frias ainda antes da água, delicadamente com um paninho de linho branco lavado; e de os enxugar um a um com um pano de algodão macio. Depois deste período verde de mimosura, lembrei-me dela a submergir os queijos nas arcas do milho debulhado a mangual que secara ao sol na eira.
E lembrei-me dos queijos pequenos nos frascos de azeite e dos que se enterravam em sal e dos que se barravam com a farinha queimante dos pimentos maduros e dos que se embrulhavam em serapilheira e guardavam na cinza…
Aqui de facto não temos afinadores de queijo, o processo artesanal de curar o queijo e de o guardar tem uma escala doméstica. Uma denominação de origem controlada implica tudo isso. Noutros países à denominação da origem junta-se a designação da sua “afinação”.
Cá quando a demanda do mercado é muita e o consumo é maior que a produção tenta-se manter a tradição recorrendo à traição. Mas às vezes o escrúpulo impede a traição sem remissão e então alguns produtores colocam redundantemente no seu rótulo “queijo da Serra da Estrela, produzido com leite de origem portuguesa, cardo e sal”.
O português é uma língua muito traiçoeira dizem os portugueses irónicamente.
E é uma língua muito iconoclasta digo eu. Um “affineur” de queijo aqui seria um refinador, nunca um afinador, como um afinador de máquinas ou um afinador de pianos. Um “affineur” aqui seria um curador por curar o queijo. De facto a cura, também chamada maturação, não é apenas um simples processo de refinação do gosto mas sim uma complexa metodologia de curar o queijo para que este não transmita doença alguma incluindo até a brucelose, a chamada febre-de-Malta. Dando tempo a que no processo microbiológico as bactérias nocivas sejam eliminadas.
O jovem gastrónomo grumam; dá-me mais jeito chamar assim aos adeptos da petiscagem “gourmet” por causa das suas patetices: por fazerem uma coisa criminosa que é colocar as mãos nuas ou com luvas na comida já cozinhada; por terem substituído o vidro e a cerâmica por plástico, a madeira por nylon o ferro por alumínio revestido de teflon etc. etc.

Dizia eu que a jovem estrêla, não terá tido a sorte de ter avó queijeira. A única personagem vagamente avó que o vi tratar como avó foi uma amável senhora a quem poderíamos chamar avó margarina. Mas que sei eu? Não sei nada. E estarei a ser injusto, mas quando se tem a sorte de ter uma avó queijeira, antes quase todas as avós podiam ser queijeiras, é sabido que não se comem queijos da serra à colher simplesmente porque se puderem ser comidos à colher o seu melhor sabor ainda não se formou.
Sabemos que os franceses, os alpinos, inventaram e deram nome a uma profissão o afinador de queijo, e isso é o mesmo que os produtores de queijo da Serra da Estrêla agora fazem ao inscrever no rótulo dos seus queijos “queijo da serra feito com leite português”.

1 comentário:

O Puma disse...

Salvem-se os cães
genuínos os meus