Ontem ouvi uma jovem estrêla da gastronomia de
sucesso falar dos afinadores de queijo. Da maravilha que é comer um queijo
afinado por comparação ao mesmo queijo comprado no supermercado sem passar
pelas mãos do afinador.
Afinador dos Alpes, de preferência francês ou suíço, ou
outra coisa qualquer que não português porque em Portugal não existe tal coisa.
Ficou subentendido.
Então eu
lembrei-me da avó beirôca, no quarto virado a norte, que tinha a rede
mosquiteira na janela e a porta fechada à chave, procedendo ao seu ritual
diário de virar os queijos; de lhes mudar as cintas; de os lavar com a água
fria de Inverno, as mãos frias ainda antes da água, delicadamente com um
paninho de linho branco lavado; e de os enxugar um a um com um pano de algodão
macio. Depois deste período verde de mimosura, lembrei-me dela a submergir os
queijos nas arcas do milho debulhado a mangual que secara ao sol na eira.
E lembrei-me
dos queijos pequenos nos frascos de azeite e dos que se enterravam em sal e dos
que se barravam com a farinha queimante dos pimentos maduros e dos que se
embrulhavam em serapilheira e guardavam na cinza…
Aqui de
facto não temos afinadores de queijo, o processo artesanal de curar o queijo e
de o guardar tem uma escala doméstica. Uma denominação de origem controlada
implica tudo isso. Noutros países à denominação da origem junta-se a designação
da sua “afinação”.
Cá quando a
demanda do mercado é muita e o consumo é maior que a produção tenta-se manter a
tradição recorrendo à traição. Mas às vezes o escrúpulo impede a traição sem
remissão e então alguns produtores colocam redundantemente no seu rótulo
“queijo da Serra da Estrela, produzido com leite de origem portuguesa, cardo e
sal”.
O português
é uma língua muito traiçoeira dizem os portugueses irónicamente.
E é uma
língua muito iconoclasta digo eu. Um “affineur” de queijo aqui seria um refinador,
nunca um afinador, como um afinador de máquinas ou um afinador de pianos. Um
“affineur” aqui seria um curador por curar o queijo. De facto a cura, também
chamada maturação, não é apenas um simples processo de refinação do gosto mas sim
uma complexa metodologia de curar o queijo para que este não transmita doença
alguma incluindo até a brucelose, a chamada febre-de-Malta. Dando tempo a que
no processo microbiológico as bactérias nocivas sejam eliminadas.
O jovem
gastrónomo grumam; dá-me mais jeito chamar assim aos adeptos da petiscagem
“gourmet” por causa das suas patetices: por fazerem uma coisa criminosa que é
colocar as mãos nuas ou com luvas na comida já cozinhada; por terem substituído
o vidro e a cerâmica por plástico, a madeira por nylon o ferro por alumínio
revestido de teflon etc. etc.
Dizia eu que
a jovem estrêla, não terá tido a sorte de ter avó queijeira. A única personagem
vagamente avó que o vi tratar como avó foi uma amável senhora a quem poderíamos
chamar avó margarina. Mas que sei eu? Não sei nada. E estarei a ser injusto,
mas quando se tem a sorte de ter uma avó queijeira, antes quase todas as avós
podiam ser queijeiras, é sabido que não se comem queijos da serra à colher
simplesmente porque se puderem ser comidos à colher o seu melhor sabor ainda
não se formou.
1 comentário:
Salvem-se os cães
genuínos os meus
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