domingo, 16 de agosto de 2020

Os olhos de meu pai



Os olhos de meu pai eram verdes

Verdes com pintas vermelhas

Pintas vermelhas bondosas

Como os olhos das Drosophilas

essas pequenas moscas que salvamos

de se afogarem no copo de vinho tinto

com o esforço mínimo do dedo mindinho.

 

Não estava comtemplada a negação

no que me ensinou meu pai

a recusa não era uma alternativa

O trabalho e o cansaço eram o mérito

sem alarde nem autocomiseração

o esforço e o esgotamento eram silenciosos

como deveriam ser os actos de sacrifício.

 

“Para que é essa bufada toda?”

repreendia-me ele

“É preciso fazer essa bufada toda?”

Não havia trégua para o medo

Nem para a aflição

“O trabalho não te ensina?”

corrigia-me ele o esforço mal aplicado.

 

Arfar em silêncio

Suportar a sede

até  a pôça de musgo e algas

se abrigar na concha da mão

Escutar o murmúrio das estátuas

quando brancas de lioz e luar

se sentavam ao nosso lado.

 

Atravessar a nocturna terra sêca

os lacraus  piando como pintainhos

aprendendo estrêlas e pedras petadas

Saber os lameiros pelo cacarejar das cobras

Saber da chuva pelo peto

Entender as aves e o vento

Ver de noite e ver a noite…

 

O sono não é um bicho, um mal,

O sono é um animal brando

Como os fantasmas de pedra

Que descem dos pedestais

Para nos afagarem a metade do crânio

até que a dor passe e acordemos

para nós mais uma vez.






Sem comentários: