Os
olhos de meu pai eram verdes
Verdes
com pintas vermelhas
Pintas vermelhas bondosas
Como os olhos das Drosophilas
essas pequenas moscas que salvamos
de se afogarem no copo de vinho tinto
com o esforço mínimo do dedo mindinho.
Não estava comtemplada a negação
no que me ensinou meu pai
a recusa não era uma alternativa
O trabalho e o cansaço eram o mérito
sem alarde nem autocomiseração
o esforço e o esgotamento eram silenciosos
como deveriam ser os actos de sacrifício.
“Para que é essa bufada toda?”
repreendia-me ele
“É preciso fazer essa bufada toda?”
Não havia trégua para o medo
Nem para a aflição
“O trabalho não te ensina?”
corrigia-me ele o esforço mal aplicado.
Arfar em silêncio
Suportar a sede
até a pôça de musgo e algas
se abrigar na concha da mão
Escutar o murmúrio das estátuas
quando brancas de lioz e luar
se sentavam ao nosso lado.
Atravessar a nocturna terra sêca
os lacraus piando como pintainhos
aprendendo estrêlas e pedras petadas
Saber os lameiros pelo cacarejar das cobras
Saber da chuva pelo peto
Entender as aves e o vento
Ver de noite e ver a noite…
O sono não é um bicho, um mal,
O sono é um animal brando
Como os fantasmas de pedra
Que descem dos pedestais
Para nos afagarem a metade do crânio
até que a dor passe e acordemos
para nós mais uma vez.
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