O meu amigo Francisco Naia às vezes fala de mais, mas nem por isso se torna aborrecido. Vai largando aqui e ali pedacinhos de memória da História por contar da nossa contemporaneidade. O Chico nesses pedaços aproveita para descansar a voz que tem generosa e muito potente. Todas as vezes que assisti aos seus espectáculos a favor de causas variadas, muitos deles de forma altruísta e sem pagamento de espécie alguma pedi-lhe para cantar esta canção que o José Afonso compôs para um poema de Jorge de Sena. O Chico cantou-a sempre mesmo quando estava cansado; muito generosamente algumas vezes dedicou-a a mim em voz alta.
Esta gravação não terá o melhor registo sonoro mas é a única que conheço.
Atrevo-me a dizer que José Afonso cantava este poema em contenção enquanto Francisco o canta em projecção a ponto de se sentir vibrar os tímpanos e as entranhas.
Jorge de Sena faz parte do meu panteão de arquétipos do que para mim é ser português, o tempo talvez lhe venha a fazer justiça a ele e à sua mulher Mécia de Sena que continua divulgando a sua obra de estudioso e investigador literário, de grande criador intelectual, de grande escritor e poeta. Relembro apenas um episódio que ouvi Mécia contar:
Na altura das turbulentas manifestações contra a guerra do Vietnam que se realizaram nos campus universitários dos Estados Unidos da América foram mortos jovens estudantes alvejados por balas da polícia. Pela primeira vez a polícia violava o chão da Universidade que até aí era considerado sagrado e interdito, como é o chão dos locais de culto cristão dos EUA, e logo para cometer homicídio sobre jovens estudantes. Na Universidade onde Jorge de Sena leccionava e onde tinha havido mortes, foi feita uma greve de protesto e de pesar em que os professores não aderentes foram cercados e obrigados a sair do edifício onde se encontravam para um corredor apertado feito por duas fileiras cerradas de alunos que lhes apertavam o caminho e os vaiavam. Quando chegou a vez de Jorge de Sena sair os alunos reconhecendo-o fizeram silêncio e abriram alas para que ele pudesse passar sem transtorno algum. A postura ética quotidiana de Jorge de Sena não deixava qualquer dúvida àqueles estudantes sobre de que lado ele estava independentemente da sua conduta ser constrangida por um contrato com a Universidade e com a impossibilidade de retorno a Portugal de onde teve de sair devido ao não alinhamento com a Ditadura Fascista de Salazar.
Muito te agradeço Sarmento por teres registado o momento.
2 comentários:
Muito lindo, amigo Luis! Muito lindo!
Grata por dividires isto comigo...
Abraço da
Zélia
Não conhecia esta interpretação , e apesar de gostar ,muito , da de José Afonso , concordo contigo .
Para além disso adorei o teu amigo Francisco Naia . Senti , apesar dos pesares , uma certa alegria e prazer no comunicar .
Enviar um comentário