segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os irmãos Mendes.



…Os irmãos chamavam-se Mendes entraram depois do Natal. Eram morenos. Muito magros. O cabelo à escovinha. Sempre cabisbaixos, de olhos no chão. Tinham cicatrizes nos braços e nas pernas, eram esquivos como animais acossados. Não conviviam com ninguém da aula. Eram duros como eu nunca tinha visto. Não largavam um queixume quando o Baptista os sovava com brutalidade.
 O mais pequeno por vezes afastava-se e chorava sózinho no recreio. Aparentemente sem razão alguma. O mais velho ficava a guardá-lo abraçando-lhe o choro e limpando-lhe o ranho com a manga.

 Os Mendes não tinham mãe, eram vítimas de uma infelicidade maior. As pancadas e golpes que como giz riscavam a sua pele não os projectavam, nem para um horizonte mais vasto, nem para um conhecimento mais profundo do que aquele que a sua iniciação já lhes outorgara.

Um dia o pai dos Mendes que era baixo, largo e sólido e tinha um cabelo muito farto, negro e brilhante, bateu à porta da sala de aula e entrou antes que o Baptista autorizasse.



-Tem que esperar pelo intervalo! Não pode interromper a aula!

-Já tratei tudo com o director. Os meus filhos aqui não aprendem nada, eu preciso de me governar e eles precisam de aprender uma profissão que os sustente… E têm tempo de levar pancada na vida. Para o corpo que têm, já levaram mais do que a que mereciam.



Isto passou-se antes da Páscoa no dia a seguir ao Baptista ter dado um bofetão no Mendes mais velho que lhe fez soltar sangue do nariz. O Baptista ficara preocupado com o sangue na bata branca, o sangue custou a estancar. O Baptista foi duas vezes à casa de banho mas não conseguiu tirar a nódoa de sangue da bata. Desistiu e mandou a contínua levar a bata e trazer a outra que tinha de reserva na sala onde a esposa dava aulas. O Mendes ficou o resto da tarde com rolhões de algodão a serem trocados à medida que ele os ia ensopando em sangue.
Nunca mais vi os Mendes, mas até hoje lembro a margem onde ficaram. E lembro-me da sua força e da sua tenacidade.

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