…Os irmãos chamavam-se Mendes entraram depois do Natal. Eram
morenos. Muito magros. O cabelo à escovinha. Sempre cabisbaixos, de olhos no
chão. Tinham cicatrizes nos braços e nas pernas, eram esquivos como animais
acossados. Não conviviam com ninguém da aula. Eram duros como eu nunca tinha
visto. Não largavam um queixume quando o Baptista os sovava com brutalidade.
O mais pequeno por vezes afastava-se e chorava sózinho no recreio. Aparentemente sem razão alguma. O mais velho ficava a guardá-lo abraçando-lhe o choro e limpando-lhe o ranho com a manga.
O mais pequeno por vezes afastava-se e chorava sózinho no recreio. Aparentemente sem razão alguma. O mais velho ficava a guardá-lo abraçando-lhe o choro e limpando-lhe o ranho com a manga.
Os Mendes não tinham
mãe, eram vítimas de uma infelicidade maior. As pancadas e golpes que como giz riscavam
a sua pele não os projectavam, nem para um horizonte mais vasto, nem para um conhecimento
mais profundo do que aquele que a sua iniciação já lhes outorgara.
Um dia o pai dos Mendes que era baixo, largo e sólido e
tinha um cabelo muito farto, negro e brilhante, bateu à porta da sala de aula e
entrou antes que o Baptista autorizasse.
-Tem que esperar pelo intervalo! Não pode interromper a
aula!
-Já tratei tudo com o director. Os meus filhos aqui não
aprendem nada, eu preciso de me governar e eles precisam de aprender uma
profissão que os sustente… E têm tempo de levar pancada na vida. Para o corpo
que têm, já levaram mais do que a que mereciam.
Isto passou-se antes da Páscoa no dia a seguir ao Baptista
ter dado um bofetão no Mendes mais velho que lhe fez soltar sangue do nariz. O
Baptista ficara preocupado com o sangue na bata branca, o sangue custou a
estancar. O Baptista foi duas vezes à casa de banho mas não conseguiu tirar a
nódoa de sangue da bata. Desistiu e mandou a contínua levar a bata e trazer a
outra que tinha de reserva na sala onde a esposa dava aulas. O Mendes ficou o
resto da tarde com rolhões de algodão a serem trocados à medida que ele os ia
ensopando em sangue.
Nunca mais vi os Mendes, mas até hoje lembro a margem onde ficaram. E lembro-me da sua força e da sua tenacidade.
Nunca mais vi os Mendes, mas até hoje lembro a margem onde ficaram. E lembro-me da sua força e da sua tenacidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário