sábado, 2 de agosto de 2014

Aqui deste cantinho Lesboa para o Mundo.- Um cenário de Cartão.

Lisboa já parece um cenário de cartão. 
Um cenário imaginário de alguma coisa que terá sido. Como já alguém disse uma Disneylândia do Sul para endinheirados, Europeus Ocidentais e outros Setentrionais. Os tais que desembarcam do Avião Low Cost ou do Paquete de Cruzeiro. Que diria o Pessoa se hoje pudesse ver os gigantescos navios largar pelas ruas os bárbaros invasores por um dia, trogloditas em busca de sol e de souvenires de um euro? Passageiros sem lembrança nem memória, na pressa de um dia, a fazerem escassear as mesas de repasto e de escrita, a subirem o preço da bica e do copo de tinto?... E ele Pessoa espirrado por todo o lado, em sombras da sua pessoa, recortado em silhueta, esmifrado de todas as maneiras, usurpado pela avidez do marchandaizingue da desgraça, e tantos pessoas seus irmãos a rapar escassez? A fazerem da miséria parcimónia; a fazerem do esparguete cozido com margarina ética vegetariana; a fazerem do saco-cama no corredor ascetismo filosófico, a fazerem do "chega para lá que aqui cabe mais um" nobreza de espírito? Que diria Pessoa desta Babilónia para turista? 
O que eu digo é que tendo nascido e vivido a minha infância em Lisboa me sinto estranho e estrangeiro nesta cidade, não a reconheço na decadência, não a reconheço nos seus habitantes. O que é lamentável é que primeiro se a acho estranha depois não se me entranha.

Com tantos turistas de cima abaixo aos magotes e em procissão a pastarem o hambúrguer português em menu ou em degustação. Com cozinheiros Chef grumandes esbanjando com estragação os petiscos originais em pretensiosa desconstrução. Com tuque-tuques da Tailândia a entupirem a circulação. Dizem-me que o Porto está na mesma e se assim for já não havendo povo de cá em Lesboa, no Porto haverá ainda Nação. Está bem que Lisboa nunca teve muita gente sua, vinham de todo o lado, dos confins do Império, dos recônditos berçãos mais remotos da nacionalidade, "a escorregar por uma tábua abaixo", a marinhar do Alentejo pelo comboio do Barreiro. Eram Ovarinos, Vareiros, Tripeiros,Minhotos, Galegos, Trasmontanos, Serranos, Beirões, Alentejanos, Algarvios e Ilhéus, mas eram eles o povo de Lisboa que engrossavam o número dos poucos naturais com mais de duas gerações nos costados.
Esta invasão benemérita bárbara, dá enfim a possibilidade a manageiros e operários do Sacro Império, a mandarins da mercadoria e da finança do velho e do novo mundo e sobretudo aos seus filhos, aos seus queridos filhos, a possibilidade de ver em seu sítio os especímenes da Europa do Sul.
Por isso cada vez mais estrangeiros adoram Lesboa, já por cá passaram, e falam com conhecimento de causa. 
Outros, estiveram cá a estudar. Sabem dizer "Bom-dia!" e "Obrigado!" sem sotaque estrangeiro. Tiveram uma namorada portuguesa ou um namorado português ou ambos. Passearam de Carro Eléctrico da Graça a Campo de Ourique, beberam café na Brasileira do Chiado, colocaram um cigarro de enrolar entre os dedos do Pessoa de Bronze do Lagoa Henriques, fizeram tuk tuk pelas colinas, acima abaixo, nas ruas, nas vielas, nas escadas, nas esquinas e até nas camas, comeram! Comeram sardinhas em Alfama e Bacalhau à Braz na Madragoa, foram a Belém ao Pastel, beberam Vinho de Lisboa mesmo sabendo que em Lisboa já nem parreiras se encontram nas latadas, e beberam Vinho do Porto que é como o de Lisboa e ficaram a ver o Pôr do Sol no Mar da Palha, e no Cais do Sodré a ver navios, e o Tejo a lavar e a levar a cerveja e o vinho do Porto e de Lisboa com que eles mijaram a maré.



1 comentário:

Justine disse...

Retrato desencantado, Luís. Não quero dizer que não seja real, mas Lisboa tem muitas outras coisas, boas e más, mas nossas, vividas por nós. O que acontece é que estamos a viver um fim de época, não aqui mas na Europa, melhor dizendo no mundo, e nada já é como era há 40 anos, inclusive os princípios e a ética. Será por isso que os velhos se vão despegando da vida?