Quando o lume vem, há um rugido no ar: O estalar dos lenhos,
o silvo das labaredas, o colapsar das ramadas, o ferver das seivas… O grito
lancinante de toda a natureza parece um interminável trovão. Ainda longe
sente-se o calor; àquele troar intenso acresce o ar denso e quente, há dificuldade
em encher o peito de ar e um frenesim apodera-se do corpo e impele a fuga.
Depois os olhos secam e semicerram-se com dificuldade. O fumo sufoca e perde-se
a dimensão das coisas. Perde-se a noção de distância e orientação. Não há cor e
tudo parece sanguíneo e cinzento. Tudo é ardor e brasa a garganta queima, os
pulmões doem, os olhos choram, a língua sêca arranha os lábios. Grita-se pelos
companheiros à direita e à esquerda, respondem sucessivamente um e outro e
outro, estendemos as mãos para nos tocarmos. Olha-se para o alto, mas não se vê
o céu, os turbilhões negros enrolam o ar num vendaval que dificulta estar
erguido e caminhar. Uma dor intensa na omoplata como um ferrete e novamente e
outra vez… Abel vê se tenho as costas arder? – Não, nada! Tinhas umas vespas
pousadas mas já foram. Passam por nós perdizes, coelhos, seres rápidos
impossíveis de identificar. Gritam longe: Todos para trás, já chega! Já chega!
P’ra trás! P’ra trás!
Recuámos dos 30 passos de campo rapado roçando ainda giestas
aqui e ali, ceifando estevas, o corpo febril ensopado em suór. As labaredas
estacam, saltam faúlhas e tições, sachamo-las, atiramos-lhe terra. As línguas
vivas de fogo sobem a encosta e passam ao lado das casas da aldeia. O Povo está
salvo.
2 comentários:
Texto impressionante, o país ainda em choque, o mundo a atirar para trás das costas - ou a chutar para a frente - os problemas ambientais...
Aqui chegaram as cinzas e o cheiro, a 70Kms da tragédia.
As palavras estão gastas.
As palavras estão gastas!
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