segunda-feira, 25 de maio de 2020

lenitivo para a dor de cabeça


Contra a dor
sózinho não podes nada,
sequer andar, ou subir um degrau.
Pensa então nos pássaros, 
no peto-verde
-o perfume do pez-
o breve eco do seu martelar
atravessando o pinhal,
o arrulhar da rola.

Usa a memória:
estalava a caruma sob a sola, 
e nela escorregavam as botas 
sem firmeza nem aderência,
não era a carne das mãos 
esfaceladas na queda
nem o sarcasmo que doíam
...dói-te a cabeça? agarra-a!
era a dor da Austerlina que doía
a faixa branca revelando
as negras rodelas de batata
a dor vertida no sudário
feito de tiras de lençol
a Mariquinhas fatiando
novas rodelas e selando
com ternura os olhos e as fontes
o luto perene rompido
nas alvas ligaduras
da cabeça enfaixada
e aquele afloramento rosado
na tibieza dos joelhos flectidos
as rótulas abrindo a malha 
das meias pretas
moldando o silêncio e o desejo.

Sem clarão 
o inesperado estampido,
a trovoada de Maio
arrepiando a pele,
sarjando as nascentes
e os tímpanos. 
No limite da dor 
a cabeça submersa
em desfalecimento.




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