quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A velhice nasce na orelha





A velhice nasce na orelha

Uns pelos na posterior da hélix

Outros na concha

Quando partem do trago

é a solidão que floresce

Já não se olha o espelho

Dá que pensar

Aquele tufo hirsuto

Primeiro estamos todos

Vivos, alegres, saciados

de copos erguidos

depois só umas fotografias

recusando o contentor de lixo

como aves que partem

para não voltarem

no São Martinho

O Inverno é um ser profundo

De nevoeiros cerrados

E musgos verdes

passo a lâmina pela hélix

em espiral descendente

desde o ramo até ao lóbulo

na profundidade da escafa

a lâmina escanhoou a derme

ouvi claramente antes de ver

o indicador sanguíneo

Faço a barba sem espelho

após a chuva quente

no final da lavagem

A sua barba é muito rija

e a sua pele muito fina!

Disse o barbeiro de olhar aflito

enquanto passava

a pedra de alúmen

enxugando-me a cara em brasa

com a toalha antes aquecida

recolhendo aquele sudário

para que eu não o visse

mantendo a horizontal

da cadeira abaixo do espelho.

Quando o barbeiro

que usava a navalha

na escovinha da nuca

me rapou a cara

não cresciam crespos

pelos na orelha.



Sem comentários: