O segundo período tinha terminado e
toda a classe encarava aliviada o último período por saber que seria menos
fustigada pelo Batista. Com efeito nas derradeiras semanas do período anterior
a cana em que Batista, o professor que gostava de bater, se apoiava à maneira de um
pastor se apoiar num cajado tinha sido destruída. Ele que dizia usar a cana como
ponteiro, mas que de facto a utilizava ora como vergasta, ora como vara de
picar bêstas, despedaçou-a até ela abrir em tiras. Tiras que ele tentava
reparar passando-lhes fita-cola, mas sem sucesso pois as pancadas que o Batista
ía desferindo nas nossas cabeças, nos nós dos dedos, ou onde nos apanhasse, rebentavam
a fita-cola e a cana abria de novo até parecer um azorrague que mesmo assim ele
usou até tudo se despedaçar.
Debalde nossa esperança! O Freitas trouxe
uma cana nova para o Batista.
-Mas
porquê? - Perguntávamos uns aos outros- será
que ele é parvo? – Parecia que ele era parvo! Logo no intervalo da manhã
assim que fomos para o recreio o Abílio que era forte agarrou o Freitas pelos
colarinhos do bibe contra a parede do corredor invectivando-o indignado:
- Ó Freitas, tu és
parvo ou quê? Então tu trouxeste-lhe uma cana para nos bater? E ainda por cima
uma Cana-da-Índia das que nunca mais partem?
-E fiz muito bem – respondeu-lhe o Freitas de Peniche- Assim
o Senhor Professor já não me bate, a mim, com a cana, porque fui eu que lha
trouxe!
O Freitas de Peniche tinha passado
para o outro lado. Tinha deixado de ser criança e tinha deixado de ser um de
nós.
Acabado o recreio assim
que fomos para a aula o Batista chama o Freitas de Peniche ao estrado; tinha
que cantar os principais rios de Angola: Onde nasciam, por onde passavam, onde
desaguavam. Desastre total; o Freitas de Peniche bem olhava para o mapa de
Angola mas àquela distância até as letras gordas de ANGOLA não passavam de minúsculas
letrinhas.
A primeira canada veio direita ao
pescoço deixando boquiaberto o Batista pela eficácia com que a sua nova arma tinha feito um vergão indisfarçável e boquiaberto também o Freitas de Peniche, incrédulo pela ingratidão
com que o Senhor Professor, seu mestre,
recompensava o gesto galante por quela prenda de sonho. Afinal desde o início
do ano escolar que o Senhor Professor sonhava
encontrar uma cana-da-Índia.
O Freitas passou a ser o Só à Cana; o nosso sacana.
2 comentários:
Era curioso, esse hábito que os alunos tinham de fornecer a cana ao professor. Coisas que só uma deficiente educação pode explicar.
Beijo, Luís. :)
Nesse tempo a corrupção era entranhada na mentalidade dos mais humildes. Por mais pobres que fossem os pais, no início dos períodos lectivos e no fim, entregavam um envelope ao senhor professor para que ele "puxásse" pelos filhos e como a sua insegurança era muita e a sua capacidade de auxílio educativo era pouca, diziam coisas do género: "o senhor professor castigue-o!"; "o senhor professor bata-lhe à vontade, só se perdem as que caem no chão!"
Beijos Maria Eu!
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