Há muitos anos vi uma grande retrospectiva de Francis Bacon, por
essa altura vi também peças de Damien Hirst, nomeadamente a peça
conhecida por "Mother and Child".
A pintura de
Francis Bacon que me parecia herdeira de Chaïm Soutine, repercutia em
mim o desconforto de quem ficou na margem a observar uma violência
incompreensível e injustificável.
Nesse sentido ficar à margem
era até um benefício misericordioso. Era o alívio de ter escapado a uma
escolha sacrificial. No entanto esta marginalidade não me apaziguava o mau
estar causado pela conivência e pelo conformismo. O sentimento quase
infantil da criança que poupada ao castigo, pensa aliviada "ainda bem que
não me calhou a mim" era insustentável perante a pintura de Francis Bacon.
Invariavelmente a sua pintura
causava-me uma repulsa e um desconforto psicológico que me obrigava a
reagir.
As peças de Damien Hirst pelo contrário colocavam-me num estado embotado de sensibilidade por entrarem num referencial de percepção que é comum aos laboratórios e aos açougues.
A desresponsabilização
física e psicológica do interveniente é nesses sítios justificada por um bem maior. A eventual relutância ou
remorso, tem absolvição por algo que é transcendente à
própria decisão do interveniente em nome de um benefício superlativo:
O sacrifício é necessário pela necessidade vital da nutrição do corpo, ou do
alimento do espírito sob a forma de conhecimento e progresso. Mesmo que o
interveniente o seja como simples espectador de uma exposição de arte
contemporânea.
Encontrei depois, descrições deste estado mental, nos testemunhos
feitos por perpetradores que funcionaram e colaboraram em campos de concentração e extermínio e também nos testemunhos de vítimas sobreviventes.
Estas pessoas que sobreviveram ao horror,
foram corrompidas por ele e a sua condição de vítimas e carrascos, voluntários
ou por omissão, são uma alegoria da vivência actual.
O cidadão enquanto habitante da polis; enquanto ser civilizado,
com direito político; abdicou de ser sentinela, “whistleblower” como agora se
diz, deixou de ser testemunha, e prefere deixar de ser observador. Prefere
ser transformado em simples espectador, em consumidor e em utente.
1 comentário:
Sabes, é tão mais confortável ficarmos naquele estado em que apreciamos sem uma comoção funda. Mais ou menos imunes...
(Bacon sempre me impressionou pela repulsa que referes e perante a qual se nos eriça a alma).
Beijos, Luís :)
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