quarta-feira, 28 de março de 2018

Damien Hirst fala de Francis Bacon | TateShots





Há muitos anos vi uma grande retrospectiva de Francis Bacon, por essa altura vi também  peças de Damien Hirst, nomeadamente a peça conhecida por "Mother and Child".

A pintura de Francis Bacon que me parecia herdeira de Chaïm Soutine, repercutia em mim o desconforto de quem ficou na margem a observar uma violência incompreensível e injustificável. 
Nesse sentido ficar à margem era até um benefício misericordioso. Era o alívio de ter escapado a uma escolha sacrificial. No entanto esta marginalidade não me apaziguava o mau estar causado pela conivência e pelo conformismo. O sentimento quase infantil da criança que poupada ao castigo, pensa aliviada "ainda bem que não me calhou a mim" era insustentável perante a pintura de Francis Bacon.
Invariavelmente a sua pintura causava-me uma repulsa e um desconforto psicológico que me obrigava a reagir. 

As peças de Damien Hirst pelo contrário colocavam-me num estado embotado de sensibilidade por entrarem num referencial de percepção que é comum aos laboratórios e aos açougues. 
A desresponsabilização física e psicológica do interveniente é nesses sítios justificada por um bem maior. A eventual relutância ou remorso, tem absolvição por algo que é transcendente à própria decisão do interveniente em nome de um benefício superlativo: O sacrifício é necessário pela necessidade vital da nutrição do corpo, ou do alimento do espírito sob a forma de conhecimento e progresso. Mesmo que o interveniente o seja como simples espectador de uma exposição de arte contemporânea. 
Encontrei depois, descrições deste estado mental, nos testemunhos feitos por perpetradores que funcionaram e colaboraram em campos de concentração e extermínio e também nos testemunhos de vítimas sobreviventes. 
Estas pessoas que sobreviveram ao horror, foram corrompidas por ele e a sua condição de vítimas e carrascos, voluntários ou por omissão, são uma alegoria da vivência actual.
O cidadão enquanto habitante da polis; enquanto ser civilizado, com direito político; abdicou de ser sentinela, “whistleblower” como agora se diz, deixou de ser testemunha, e prefere deixar de ser observador. Prefere ser transformado em simples espectador, em consumidor e em utente.





1 comentário:

Maria Eu disse...

Sabes, é tão mais confortável ficarmos naquele estado em que apreciamos sem uma comoção funda. Mais ou menos imunes...

(Bacon sempre me impressionou pela repulsa que referes e perante a qual se nos eriça a alma).

Beijos, Luís :)