terça-feira, 12 de fevereiro de 2019
LAPIS - exposição em andamento e a tempestade que se aproxima.
Fui convidado para uma exposição.
As exposições são coisas de juventude. São quase como um blogue. Ter necessidade de mostrar o que se fez, o que se pode fazer; a facilidade que se tem de usar um formulário como um profissional competente, experiente e sensato que conhece técnicas e procedimentos; que aplica protocolos de qualidade e genuinidade.
Planear a disposição da exposição, "fazer o espalhamento", a limpeza de compor um espaço bonito para o qual se convidam os amigos, os amadores da arte, os possíveis compradores, os críticos...
Não tenho objectivos precisos. Uso a intuição. Arrisco o não previsível, o não intuitivo. Não discuto métodos de trabalho. A Maria João Pires terá dito que não há técnica. Acho que o que entendi do que ela queria dizer é que não é um procedimento que possibilita a comunicação de quem executa mas sim a capacidade de comunicar conseguindo executar. Independentemente das limitações ou apesar delas. Isso faz-se com trabalho e com um estado alterado de percepção em que o executante capta como uma antena e descodifica sinais simultâneamente gerando outros. Perguntas e respostas, ecos.
No outro dia comprei um catálogo antigo de uma exposição de desenhos de muitos autores contemporâneos. Mostrei-o à Beatriz Cunha e disse-lhe que era para me lembrar da liberdade que o desenho representa uma vez que me sentia constrangido, emperrado. Ela disse-me que eu andava distraído. Aqueles desenhos que eu achava bons, eram na sua grande maioria maus. Descontextualizados do conjunto da exposição, sem o nome dos autores que os produziram eram maus. Talvez assim seja.
Há dias em que eu consigo desenhar... digamos, trinta desenhos; ou melhor dizendo, consigo desenhar por 6 ou 12 horas seguidas até me doerem os pulsos, os dedos e me arderem os olhos. Outros nada consigo executar. Então escrevo porque é para mim uma forma alternativa de fuga. Se eu estiver frente a uma paisagem é bem possível que não a desenhe, por outro lado se eu estiver confinado, retido num local, acontece-me a necessidade de começar a desenhar. Se a paisagem estiver lá é bem possível então que eu a desenhe.
O meu processo criativo não me leva à reprodução, à transposição da realidade exterior mas a uma forma de mergulho na realidade interior. Acontece-me uma criação ou recriação do que está para além do meio ambiente e aquém dele. Por isso eu digo que não há êrro. É nesse sentido que não há linha de contorno. Há linhas que aparecem e desaparecem, que se criam com o movimento, com o afastamento e a aproximação do olhar, com o espaço e o tempo. O risco ainda é risco quando o lápis já deixou para trás o seu bico partido ou quando já só a madeira que envolve a sua grafite continua a sulcar o papel e a deixar um rasto. A linha ainda é linha quando o pincel perdeu fora de sítio a gota excessiva inicial que o gesto da mão se esqueceu de escorrer na boca do tinteiro. E continua sendo linha quando já sem tinta o pincel se arrasta deixando intermitentemente as marcas da sua sede. E a mancha é tudo isso, numa espécie de "Kaos", que remete para a distância e para o afastamento.
Os artistas insatisfeitos têm muitas vezes a sensação de não terem sido eles a fazer esta ou aquela peça, ainda que se lembrem de quando e como a fizeram. Acontece aí o afastamento de si mesmo, uma desapropriação, o desprendimento que constitui a essência da própria existência de tudo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Sim, percebo. O eco.
Enviar um comentário