Falou-se da fome antiga, de um tempo antes do meu, da sardinha
para três. Parecia difícil uma sardinha para três ainda que ela fosse grande. E
parecia estranho como dividir uma sardinha em três. Lombo de um lado e lombo de
outro lado divide-se a sardinha ao meio, dois! E o terceiro?
A Tia Adosinda explicara-me uma vez: Da cabeça até à
barbatana dorsal para o que mais precisa, daí até à barbatana da barriga para o
que mais trabalha, ficando o rabo para o que for mais mimoso. Ela comia a parte
da cabeça, o marido comia a parte do meio e o filho o rabo. Quando já tinha
quatro filhos e havia duas sardinhas ela e o marido comiam as cabeças, o filho
e a filha mais velhos que já trabalhavam ao lado dela e do pai comiam a parte
do meio e os filhos mais novos que andavam na escola comiam os rabos. Na
sardinha não se deitava nada fora e a tripa era a parte mais suculenta e
saborosa. De facto o que eles comiam não eram as sardinhas mas sim as batatas cozidas, com cebola picada, pimentos assados e a salada que houvesse. A sardinha, ou o pedaço que houvesse dela, repousava sobre a fatia da broa de milho ou centeio. O sabor intenso da gordura da sardinha aromatizava o azeite e era o conduto perfeito para condimentar toda a refeição.
Quando decidi contar e exemplificar para os meus
companheiros mais novos esta forma de partir e comer a sardinha assada, vi os
seus rostos inicialmente pasmados ficarem horrorizados quando trinquei e mastiguei a cabeça do peixe. Olhavam para mim como se eu estivesse
a comer vidro ou a engolir espadas. De facto todos eles tinham já comido, e se debatido, com as espinhas das
sardinhas assadas . Um deles numa ocasião quando punha de lado a espinha do meio
com a cabeça e a barriga agarradas tinha ouvido alguém dizer: “Estás a
deitar fora o melhor!”. Pensara que era brincadeira. Mas agora percebera que não era bizarria nenhuma e que aquilo que eu contara era um relato
de carência e não de excentricidade.
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