A fome, toda a gente sabe, era uma coisa de tempos antigos,
uma consequência de grandes catástrofes ou de um acidente maior como a guerra.
A fome contemporânea, essa dava notícia de terras remotas
onde o empenhamento em chegar lá era menor do que ir até à Lua. Terras perdidas nos confins
de África ou da Ásia. Desconhecidas e desérticas, onde chegavam carros de rali
e bombardeiros mas não os sacos de sementes nem os engenhos de furar poços que dessem
água limpa ou o conhecimento para fazer represas e cisternas que guardassem a água quando houvesse chuva.
A fome andava a par com a pobreza e precedia a doença nesse cortejo apocalíptico cuja personagem derradeira é a morte. A fome era
persistente e quotidiana. Era imaterial e volátil. Cada dia pesava menos na
balança...
Mas tudo muda.
Mas tudo muda.
A fome agora é diferente. A fome saiu dos locais onde andou proscrita e agora senta-se entre nós. A fome agora é obesa todos pensam que é abundância mas não passa de fartura feita de míngua, de escassez do que é essencial. A fome senta-se à frente de um prato de massa com molho de tomate e farta-se como um viciado que perde a razão, como se não houvesse amanhã, como só restásse comer e esperar a morte.
A fome neste pobre mundo rico instalou-se na calote norte e dormita inerme na sua obesidade.
Não basta mais aos ilustradores apocalípticos representar a fome como um ser esquelético, andrajoso e decadente, a fome agora bem pode ser o retrato de um ser jovem, hiper-sensível e extremamente obeso.
1 comentário:
Triste !
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