sábado, 23 de novembro de 2019

HERBERTO HELDER

"Escrevi porque tinha um problema de ódio a resolver."                                                                                                            Herberto Helder



Ah este ódio com que amo a humanidade!
...e a necessidade dos livros onde ela se verte;
não, não é um problema de nervos, nem de ódio 
que me leva a escrever, mas sim a janela fechada,
as arestas dos varões quadrados da grade de ferro
cravadas na carne das mãos e da cara,
a visão periférica que mantém o medo na distância.

Não serás alguém grande, mas poderás sempre
escolher a fuga das alturas ou a fragilidade do papel
que embrulha o pão e se rompe com o lápis H
Serás fumo de chaminé no ar 
ou breu de mascarra sobre o cotim azul.


Não serás alguém grande, -disseram-me-
descolaram o remate do cartucho de meio quilo
e alisaram os vincos do papel grosso
entregaram-me as pontas de lápis 
a escaparem pequenas das mãos adultas grandes
e permitiram que desenhásse no lado de fora, 
sobre o riscado vermelho,
porque dentro pousava-se o peixe acabado de fritar
e o desenho esvaía-se na nódoa 
esmaecido pela gordura
para depois se perder com o jornal 
da forra do balde do lixo.

poderás sempre escolher a fuga das alturas 
ou a fragilidade do papel que embrulha o pão,
o papel que se rompe e se rompe com o lápis nº4
O que queres ser? Fumo de chaminé no ar? 
ou mascarra de breu sobre o cotim azul?

Então escrevi mas o que fazia eram desenhos
que gritavam histórias. 
pedia livros e que mos lessem
mas não havia livros porque os livros 
para nada servem.

Ah este ódio com que amo a humanidade!
e a necessidade dos livros onde ela se verte

                                                                                                  Em memória do HH






1 comentário:

Justine disse...

à sua poesia volto, sempre que preciso dela!
E que belo está o teu desenho