segunda-feira, 4 de março de 2019

Conan Osiris - 100 Paciência




"Tou farta você deve é ser otário"

Pois é, ele é diferente!
E é verdade, ele é bom! 
É mesmo verdade, ele é um bom e diferente artista de variedades! 
Não me lembro de se poder aplicar a alguém esta expressão de artista de variedades ultimamente. 
Ultimamente não me lembro de ouvir alguém com tamanha carga de ironia. 
Se eu quiser falar na expressividade surreal da letra, terei de recuar até José Afonso e até ao imaginário popular; à fantasia, ao fantástico do imaginário popular.
E se falo aqui de letra é porque tenho ainda o pudor de chamar poesia à letra das canções. 
Enfermo talvez de um preconceito que classificou Ary dos Santos como letrista e não como poeta, que olhou de soslaio para os versos de Amália Rodrigues que por modéstia ou por falta de vontade em dar explicações ela deixou anónimos durante anos.
Não me venham dizer que não percebem o que ele diz, poderá parecer difícil de seguir, mas não mais do que qualquer ária de ópera cantada em português.
Sim é verdade, há óperas escritas em português e eu até nem gosto de ópera.
Mas não se pense que a "letra", aparentemente fantástica, surreal, é desligada da realidade. Vivemos num mundo em que a fantasia se confunde com o real e nunca antes foi tão palpável telefonar para o Céu. É nesse Olimpo, morada dos Deuses que entregamos os nossos dados pessoais mais privados: as fotografias dos filhos e dos netos, os momentos íntimos mais nus, aquilo que escrevemos... Agora chamamos a isso a "Cloud" e tomando a Núvem por Juno, continuamos a ser manipulados por Zeus.
As "letras" de Conan Osíris espelham a realidade, e como habitualmente a realidade não é aquela que gostamos de encarar.
Eu já fui como a "médica" da canção e julguei esta geração que agora tem trinta anos como os "sem paciência" os impacientes. Os que foram habituados a terem tudo pronto, habituados ao filete sem espinhas e à carne mastigada em forma de hambúrguer. Mas isso é o erro de paralaxe da minha geração, um erro de perspectiva que sempre existiu e que por vezes me esqueço de corrigir. 
Não falarei aqui da música. O nível de complexidade é elevado ainda que seja melódicamente fácil de escutar. Há uma sensação de travessia de um souk do Médio Oriente, de um bazar Persa. Há fragrâncias que vêm até da longínqua Índia, e por isso, ou mesmo por isso é Música Portuguesa da melhor que se faz hoje. Portuguesa e do Mundo.
Pois é, ele é bom! Apesar do bem intencionado desdém medroso com que aparentemente o apresentador parece querer defender-se e desculpar-se ao encerrar a actuação de Conam Osíris, ele é bom!

P. S. Do extraordinário bailarino que acompanha Conam Osíris nada posso dizer, não tenho capacidade de avaliação. Mas com ele o Artista de Variedades que é Conam Osíris entra em sintonia e apresenta-se sobre azul, como uma antiga e preciosa jóia de ouro.















2 comentários:

Justine disse...

Soube hoje pelo Expresso Curto que ele tinha ganho o Festival Eurovisão cá, e desdenhei, nunca tinha ouvido falar no seu nome, e desdenhei.
O teu excelente texto deu-me vontade de o conhecer melhor e ele tem de facto qualidade. vou informar-me mais
(o teu texto contudo continua a ser excelente, mesmo que ele seja um "homem sem qualidades"...

Luis Filipe Gomes disse...

Obrigado Justine.