quinta-feira, 8 de abril de 2010

Joan Baez canta José Afonso relembrando-nos a fraternidade e a união como outrora fez em Espanha.

Joan Baez passou por cá em Março. Cantou esta canção de José Afonso, que foi senha para a revolução do 25 de Abril de 1974. Ela certamente viajou no tempo, recuando 30 anos, até quando esteve entre nós. Por outro lado estava bem no presente, sabendo que Abril se avizinhava, cantando o que se tornou num hino de libertação e esperança na fraternidade humana

Joan Baez canta "Grândola, Vila Morena" (José Afonso) from angelanns on Vimeo.

Joan Baez que menos de um mês antes esteve cantando para o presidente dos Estados Unidos da América, seguiu após este concerto, para Madrid. Foi-lhe imposta a Ordem de las Artes y Letras de España pela ministra da cultura. A condecoração aprovada pelo parlamento espanhol traduz o reconhecimento e o agradecimento institucional a uma artista que relevou a cultura espanhola numa altura em que não era ainda um referencial. Estou falando de um disco que tomou o nome de uma canção de Violeta Parra, "Gracias a la Vida".O disco editado em 1974 apanha a queda da Ditadura Espanhola nascida da Guerra Civil de 1936-1939. Estive no sul de Espanha por essa altura, em 1978. O disco era tocado nas grandes superfícies comerciais, e a canção Gracias a la Vida era cantada nas ruas. Este facto aparentemente sem relevância, no meu entender, materializa a importância da arte na vida de cada um de nós._____________ Cantando aquelas canções da identidade hispano americana, Joan Baez estava a chamar a atenção para a necessidade de voltar à raiz, ao que é básico e fundamental. Não pretendo ver aqui uma intencionalidade consciente da parte de Joan Baez, tenho mais a tendência a pensar que o seu espírito intuitivo a levou a gravar aquelas canções naquela altura.__________ Quando o disco saiu em 1974 adivinhava-se já o fim da guerra do Vietname que terminou um ano depois. Esta guerra que causou tanta destruição, que tantas vítimas fez e ainda hoje faz nas pessoas que a viveram, nos seus descendentes e nos que habitam aquele espaço, também afectou a sociedade americana.___________ Em Portugal viviam-se tempos agitados de reacção aos excessos feitos em nome da revolução do 25 de Abril de 1974. -Os mais aguerridos revolucionários daquele tempo migraram entretanto no sentido oposto, basta ver o caso do Presidente da Comissão Europeia entre inúmeros outros.- ___________ Nesse tempo a Grândola Vila Morena se fôsse cantada na rua entre pessoas que nessa altura se diziam de direita, do centro, da social-democracia e até do partido dito socialista recebia reacções de reprovação e até de agressão. Isso mesmo aconteceu comigo!_____________ Esta canção que apela à fraternidade, e em ultima análise à vontade do povo e à democracia, foi proíbida numa rádio ligada à Igreja Católica. Permaneceu assim vários anos, não sei se ainda hoje continua proibida. ___________Em Espanha entre 1975 e 1979 a democracia dava os primeiros passos e as trevas da ditadura e da guerra civil pairavam de novo. A Espanha apesar da repressão não consolidara ainda uma identidade nacional. Novamente se falavam as várias línguas nacionais que o estado totalitário banira das escolas e até impedira de serem faladas pelos seus naturais. A língua castelhana promovida a língua espanhola oficial e única, não espelhava a realidade social em mudança profunda, as clivagens nacionais forçavam o separatismo e ameaçavam poder desagregar o próprio Estado. Então que coisa melhor podia acontecer? Uma cantora americana de grande renome, conectada com ideias progressistas, com ascendência hispânica, cantava em castelhano-espanhol valores tradicionais e universais que se perpetuam até hoje. Melhor ainda, ao mesmo tempo essa cantora, ainda que involuntáriamente, remetia para o tempo em que a unidade espanhola frutificara num Império que reclamava como seu meio mundo incluindo Portugal, Brasil e todos esses territórios onde os portugueses faziam sua pátria. Com a sua arte relembrava a importância de agradecer à Vida a existência e tudo o que possuem os seres humanos por inerência a estarem vivos. Joan Baez apelava á valorização do que não valorizamos por acharmos ser nosso por direito garantido. A importância passava a residir no que é comum em substituiçao do que divide e causa ressentimento. Joan Baez sabia já nessa altura, como Violeta Parra, que agradecer à Vida pode ser também uma forma de consciência da morte e de afirmação do não Ser. A fraternidade e a união promovem a partilha. Isso pode ser uma forma de retorno a casa.

6 comentários:

Zélia Guardiano disse...

Texto maravilhoso, Luis! Sei perfeitamente o que você está dizendo. Sinto uma estima indescritível por Joan Baez, pelo mesmo motivo que você explica tão bem. Por ter vivido momentos terrivelmente difíceis em 64, aqui no Brasil, fico emocionada com o tema que, tão bem, você desenvolve.
Concordo plenamente com você: mesmo que não tenha sido intencional , o trabalho da artista acabou gerando frutos, e serve de alerta sobre a responsabilidade daquele que escreve, que compõe, que canta, que pinta, que produz um filme, etc. Às vezes, vemos atitudes vergonhosas e covardes, como a produção recente de um filme eleitoreiro, produzido aqui:"Lula, o filho do Brasil". Mas, amigo, temos alguns exemplos muito bons, como o de Joan Baez. Ainda bem...
Um abraço

olhodopombo disse...

sempre me intriga quando citam as proibições que a igreja catolica fazia e continua fazendo a determinadas formas de expressão.
mas o que mais me deixa perplexa é que as pessoas continuam seguindo-a sem nem observar esses detalhes.
por que?

Constança Lucas disse...

Joan Baez quem não tem a sua voz na memória, ela representa a parte humana de todos nós, a voz dela , conheci seu trabalho nos anos setenta, gostei de a ver por aqui e o teu texto é bem interessante
- quantas voltas alguns deram :)

abraços
Constança

Luis Filipe Gomes disse...

Zélia, quero agradecer todo o carinho que colocas sempre nos comentários que fazes. Não conheço o filme. Conheço Lula na distância e gosto da sua aura. Contudo a sua silhueta fez uns comentários bem desagradáveis em Cuba. Estavam em causa prisioneiros em greve de fome. Uma greve de desespero que mesmo quando não leva à morte deixa sequelas para o resto da vida.
Lembro o exemplo de Saramago que sendo comunista, em Cuba condenou a prisão de cidadãos por delito de consciência, e cortou com o regime quando apesar dos apelos foram executados dicidentes.
Talvez Lula não tenha a liberdade de Saramago.
Luís

Luis Filipe Gomes disse...

Olha Fatima, eu quando passo no Terreiro do Paço aqui em Lisboa onde tantos Autos-de-Fé se fizeram, penso como tu. Depois penso que boa parte da arte ocidental que é património de todos nós é de temática religiosa e foi encomendada directa ou indirectamente por essa mesma Igreja. É verdade também que o facto de essa mesma arte existir por si só significou a destruição de quase toda a arte antiga não europeia que não se deixou aculturar. O exemplo da destruição das civilizações das américas é bem conhecido. Toda esta consciência deve servir para nos motivar a não repetir os erros. Sabes que depois penso em Mandela e no seu rosto, no seu sorriso bondoso e isso resulta, acalma-me e abre a gaveta onde o perdão está fechado à chave.
O sorriso da Zélia também é bom.
Luís

Luis Filipe Gomes disse...

Constança,
tens de ir ao you tube ver e ouvir a Joan. Há também alguns videos em que ela tem um fundo azul por trás. São imagens da sua cozinha e o fundo é feito de azulejos fabulosos. O que ela diz também é muito importante. Continua tão activa como antes mas deixou de estar na moda. E quem se rala a moda passa mas a Joan Baez fica.
Luís